segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

IDMAR BOAVENTURA: um poema inédito

 

Ce la vie

 

queria apenas teu retrato

a branca mancha do sorriso

mas nem me restou o vazio

só me restou a falta

só me ficou a culpa

de não ter chegado a tempo

da fotografia

 

(poema de livro inédito)

 


Idmar Boaventura é natural de Feira de Santana, mas reside em Conceição do Jacuípe. Professor de Literatura e leciona na Universidade Estadual de Feira de Santana. Graduado em Letras pela UEFS, onde também cursou o mestrado de Literatura e Diversidade Cultural. Doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem poemas publicados em jornais, revistas e antologias da poesia baiana. Publicou “O desossar (d)as horas” (2004) e “A outra Margem” (2008). Em 2011, publicou um estudo acerca da poesia de Roberval Pereyr, intitulado “Dissonâncias diante do espelho: o homem e seus duplos”.

http://oxe.insix.com.br/idmar-boaventura/

http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/bahia/idmar_boaventura.html

 



quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

ALANA FREITAS EL FAHL: uma crônica inédita

 

                                                                  Aproveita

 

                                                                                  “A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros

Vinha da boca do povo na língua errada do povo

Língua certa do povo

Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil.”

 

Manuel Bandeira

 

 

A linguagem e seus códigos infinitos e misteriosos sempre me impressionaram desde criança. Pensava muito sobre o nome das coisas: Por que mesa é mesa? Por que bolo é bolo? Por que azul não é rosa? Quem inventou isso um dia? Com o passar do tempo esses pensamentos só se adensaram. Quando descobri que existiam outras línguas que não só a nossa a curiosidade só aumentou. Lembram-se das brincadeiras infames “fale pescoço em francês”? Que absurdo um palavrão!

Aliás, palavrão na infância é um capítulo a parte da nossa língua. Depois da primeira infância com sua escatologia peculiar, que me abstenho de aqui repetir, avançamos para outra esfera. Éramos três meninas em casa com um pai que xingava muito  e uma mãe que nos proibia de dizer nome feio. Entre nós três, o desaforo preferido eram os nomes de cobras, tão suaves e femininos: Cascavel, Surucucu, Caninana, Naja, Sucuri. Mas quando o pau quebrava mesmo, saia o inominável “Sai da frente Espelho sem luz” que era uma ofensa gravíssima para o desespero de nossa mãe.

Mais tarde descobri e me apaixonei perdidamente pela etimologia, a possibilidade de descobrir a origem das palavras é mesmo fascinante. Sou apaixonada por prefixos e sufixos e isso me salvou muitas vezes na compreensão de alguns termos. Sobretudo, os resultados de exames e termos técnicos de várias áreas que mais se parecem com um código secreto e indecifrável. Adoro o capítulo da gramática que trata do processo de formação das palavras e aquela lista de pedacinhos gregos e latinos que se casam e dão sentidos incríveis à língua e ainda se juntaram no Português brasileiro com termos africanos e indígenas, nossa geleia geral.  Com os dicionários então tenho um caso de amor, não me canso de folheá-los aleatoriamente e descobrir uma palavra nova, ou verificar aquela quinta acepção de um termo que é o que se encaixa naquilo que a gente leu, diferentemente da primeira, mais fácil e comum.

Mas na verdade nenhum manual dá conta da dinâmica da linguagem. Ela é viva e se realiza na língua do povo, “na língua gostosa do povo”, na sua semântica movente, que faz bárbaro, sinistro e “da porra” virarem elogios. Aliás esse último é de uma polissemia incontornável e se encaixa em várias classes gramaticais que vão do substantivo à interjeição. Dentre um dos seus usos que mais me impressionam está a expressão: “Boa porra”! Ela desestabiliza qualquer conversa. Você diz: Hoje encontrei fulano! Seu amigo responde com aquela entonação de desprezo: - Boa porra!  Não precisa dizer mais nada, para ele esse alguém é um ser desprezível E sem salvação. Acontece também quando você quer enaltecer algum feito: Fulaninho se formou, foi para Europa, casou... E alguém devolve de lá: Boa porra! Fim de papo, não há mais como continuar esse diálogo.

Agora esse “bolodoro”, esse “trololó”, esse “cerca Lourenço” todo é porque eu quero falar de outra expressão, que na verdade é uma teoria:  Teoria do Aproveita. Uma das mais complexas que existem e tenho certeza que todos a utilizam de alguma forma ou já foram vítimas de sua sofisticada teia. Ela faz com que você acredite que fazer um grande favor para o outro é muito bom para você. Na verdade é a teoria do se aproveita. Vejamos algumas de suas aplicações:

Quarto do casal à noite, um levanta para ir ao banheiro ou cozinha, o cônjuge deitado (substantivo sobrecomum de propósito, pode ser um dos dois), que parecia estar à espera daquele momento, imediatamente dá o bote: --Aproveita que você levantou e traz um chá para mim. Aproveita e traz um pedaço de bolo, traz duas laranjas, um prato e uma faca e vê se a luz da garagem ficou acesa... Saia logo, a lista pode aumentar...

Você diz que vai a São Paulo alguém logo se pronuncia: - Aproveita que tu vai, tem uma loja na Vinte e Cinco de Março, facílima de achar, que tem um  creme de cabelo ótimo, você vai adorar, traz um para mim e  a gente acerta. E lá vai você viajar pensando no maldito creme e se sentido culpada de dizer não para um favorzinho tão simples. Se a viagem for internacional então, pule fora, se esconda por um tempo, não anuncie, vai rolar listas, marcas, lojas, dicas, tudo baseado na Teoria do Aproveita.

Eu tenho uma tia, especialista nessa teoria, e como ela conhecia gente nos quatro cantos do Brasil era um perigo falar na frente dela que você ia em tal lugar: Ah, você vai na Paraíba? Vai levar um requeijão para minha comadre Neuza e ainda sugeria que a gente visitasse amigas íntimas que só ela conhecia em nome dela. E lá ia a vítima com um bocapiu a mais na bagagem.

As situações são muitas e se multiplicam, você vai a uma consulta médica e alguém pede para você fazer uma pergunta sobre o problema dele. Vai ao Supermercado Baratão? Aproveita e traz um shampoo anti-caspa para mim que só tem lá. Vai à farmácia, ao menos um band aid vão te pedir. Essa teoria é uma boa porra... Agora corra mesmo se alguém começar a conversa com: Eu nunca te pedi nada! Corra porque é barril, roubada, bucha, saia-justa, roleta, esparro, boca de...

(Crônica do livro inédito)


A escritora e professora Alana Freitas El Fahl

Alana Freitas El Fahl, nascida e criada em Feira de Santana. Professora Titular de Literatura Portuguesa e Brasileira da Universidade Estadual de Feira de Santana. Autora dos livros “Singularidades Narrativas: Uma leitura dos contos de Eça de Queirós” e do livro de crônicas “Nós que apagamos a lua”, criadora do blog “Entretelas” no qual analisa novelas, séries e filmes à luz da Teoria Literária. @entretelasblog


Livro publicado em 2018.
 


quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

DIA DO LEITOR: Projeto OXE de Literatura Baiana Contemporânea

 

Hoje, 07 de janeiro, comemora-se o Dia do Leitor. Nada mais justo para celebrar este dia do que Homenagear o “Projeto OXE: literatura baiana contemporânea”, grande mediador na formação de leitores e leitoras e no estudo e divulgação da vasta Literatura Baiana. Desenvolvido desde 2014, no IFBA campus Santo Amaro, sob a orientação da Professora Doutora Maria das Graças Meirelles, este projeto realiza ações de extensão e pesquisa sempre voltadas para estimular o potencial da Leitura, Educação e Cultura na comunidade. Entre as inúmeras ações do Projeto, destaco aqui o “Portal OXE” que apresenta a produção literária de mais de 100 escritores e escritoras da Bahia.


 http://oxe.insix.com.br/


 “O Portal OXE é uma das ações de mediação leitora do projeto OXE: literatura baiana contemporânea  que ocorre no IFBA, campus Santo Amaro, desde 2014. A criação do portal foi motivada pela necessidade de ter disponível um acervo que possibilitasse acesso a textos literários de autorxs baianxs de gerações distintas e gêneros diversos, voltado principalmente estudantes da educação básica. Além de ser um instrumento educacional, o site possibilita a circulação de textos literários baianos em mídias e redes digitais.”


Evento no Teatro Dona Canô, Santo Amaro. 


Festival de Culturas na Unilab, São Francisco do Conde. 


Feira do Livro de Feira de Santana, com o poeta Franklin Maxado. 

 http://oxe.insix.com.br/


AMIGO


Mesmo que o teu caminho

não seja o mesmo que o meu

 

Mesmo que a tua vontade

não encontre desejos em mim

 

Mesmo que a minha alegria

fira a tua tristeza

e tuas gargalhadas

não encontrem risos em mim

 

Saiba que eu estou em você

e que você sempre estará em mim

 

Afinal, a manga, a maça.

o jenipapo e o tamarindo

são irmãos da jaca, da banana

e do abacaxi.


Douglas de Almeida








quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

TRÍVIO: Reynaldo Valinho Alvarez

 




SORRISO II

(02/05/2012)

 

Reinventar o amor a cada dia

foi tudo o que fizemos, tu e eu.

Não nos moveu tão só a fantasia,

mas a força que o próprio amor nos deu.

 

Cada sorriso teu traz-me a alegria

que varre e limpa um céu de angústia e breu.

Quanto mais me sorris, mais se alivia

o fado que sustento junto ao teu.

 

Enquanto ainda levanto, ajo e respiro,

quero viver à sombra do retiro

que me ofereces, quando mais preciso.

 

Navego e, do teu lado, busco o norte

no oceano que nos coube como sorte,

rumo ao porto anunciado em teu sorriso.

 

(Confissões do nada, Quinze sonetos de amor para Maria José)

 

ALVAREZ, Reynaldo Valinho. Trívio. Rio de Janeiro: Editora Contraste, 2017. 



terça-feira, 5 de janeiro de 2021

REYNALDO VALINHO ALVAREZ: 90 ANOS DE UM GRANDE POETA BRASILEIRO!


 

O solitário gesto de viver
não demanda a coragem que há na faca,
na ponta do punhal e até no grito
de quem fala mais alto e está coberto
de razões, de certezas, de verdades.
O gesto de viver se oculta em dobras
tão íntimas do ser, que o desfazê-las
é mais que indelicado, é violência
que nem sequer se pode conceber.
O gesto de viver é só coragem,
mas, de tal forma próprio e incomparável,
que não se exprime em verbo, imagem, mímica
ou qualquer outra forma conhecida
de contar, definir ou explicar.
A coragem no gesto de viver
está em coisas simples, por exemplo,
na diária decisão de levantar.
E mais, em se vestir e trabalhar
por entre espadas, punhos e navalhas,
peito aberto, sem armas, passo firme,
e à noite, ainda intacto, regressar.

 

O solitário gesto de viver. Prêmio Fernando Chinaglia 1978, União Brasileira de Escritores.


ALVAREZ, Reynaldo Valinho. A faca pelo fio: poemas reunidos. Rio de Janeiro: Imago, 1999.

Nasceu no Rio de Janeiro, no dia 06 de janeiro de 1931. É autor de vários livros de prosa e poesia e suas obras foram traduzidas em muitos idiomas. Recebeu muitos prêmios literários no Brasil e no exterior, destacando-se: da Academia Brasileira de Letras (1981), da Fundação Biblioteca Nacional (1995), o Prêmio Jabuti 1998 de Poesia da Câmara Brasileira do Livro, entre tantos outros. Seu primeiro livro Cidade em grito (poesia, 1973) e seu mais recente Trívio (poesia, 2017). Vive na cidade do Rio de Janeiro e continua em plena criação literária.



Rio de Janeiro, agosto de 2005. Visitei a casa e o arquivo pessoal do poeta Reynaldo Valinho Alvarez para minha pesquisa de Mestrado. Fui muito bem acolhido pelo poeta e sua esposa Maria José.  


Tive a alegria de conhecer o poeta Reynaldo Valinho Alvarez e sua espoa Maria José de Sant’Anna Alvarez durante o “Colóquio Internacional de Poesia” na Universidade Estadual de Feira de Santana, em 2003. Foi o início de uma longa troca de correspondências e livros. Em 2004, iniciei meu mestrado em literatura e diversidade cultural (UEFS) e fiz meu projeto de pesquisa sobre a poesia de Reynaldo Valinho Alvarez orientado pelo professor e escritor Aleilton Fonseca. Até hoje, mantemos comunicação e trocas literárias. Sou profundamente agradecido pela leitura da poesia e por compartilhar da amizade desse grande poeta da Língua Portuguesa. Quero aqui Celebrar os 90 anos de Vida do Poeta e do grande ser humano Reynaldo Valinho Alvarez. Festejemos também seus 48 anos de criação literária. 

http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/brasil/reynaldo_valinho.html

https://www.estantevirtual.com.br/livros/reynaldo-valinho-alvarez/lavradio/1483053806?gclid=EAIaIQobChMI5O7Zz8KF7gIVj4eRCh25cAydEAAYASAAEgJutfD_BwE

http://rauldeleoni.com.br/correspondentes/reynaldo-valinho-alvarez/

https://www.academia.org.br/artigos/linhagem-de-um-poeta

http://www.penclubedobrasil.org.br/valinho1.html

http://www.italiamiga.com.br/artecultura/artigos/novo_lan%CF%84amento_do_poeta_reynald.htm

http://tede2.uefs.br:8080/handle/tede/8?mode=full


segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

NATHAN SOUSA – POETA DO PIAUÍ

 


PLANO DE FUGA

 

Sou eu quem desfaz tua tenda

(tua morada de frêmitos)

Sou eu quem guarda os pergaminhos

de tua água de cheiro;

de teu caminho de mesa e memória.

É nesta copa de chuva e lírica

que tu me ofereces o vinho

e o broto das renúncias;

a música e a lástima

em osso.

Nela

mato minha fome de trapo;

minha deusa e sua eclusa de iguarias.

Sou eu quem demarca tua rota de Antuérpia

(teu repertório de inauditas sinfonias)

 

In: A metáfora do adeus (Folheando, 2020)

 



Nathan Sousa (Teresina, 1973) é ficcionista, poeta, letrista e dramaturgo. Tecnólogo em Marketing e professor. É autor de vários livros, dentre eles, Um esboço de nudez (2014), Mosteiros (2015), Nenhum aceno será esquecido (2015), Semântica das aves (2017), O tecido das águas (2019) e Anfíbia (2019), além da peça teatral O que te escrevo é puro corpo inteiro. Venceu por 05 vezes os prêmios da União Brasileira de Escritores. Foi finalista do prêmio Jabuti 2015 e do I Prémio Internacional de Poesia António Salvado. Trabalha com escrita criativa. É colunista do blog da revista Revestrés. Tem poemas traduzidos para o inglês, francês, espanhol e italiano. Recebeu a Medalhada da Ordem do Mérito Renascença.

 

http://www.revistarevestres.com.br/blog/nathansousa/

https://www.editorapenalux.com.br/autor/Mzc=/Nathan_Sousa

http://www.mallarmargens.com/2014/11/06-poemas-de-nathan-sousa.html

http://www.editorafolheando.com.br/