Durante a sua breve estadia em Paris, na semana passada, tivemos o privilégio de entrevistar o poeta e professor de literatura brasileira, Cleberton Santos.
Autor de vários livros de poesia, entre os quais
podemos citar “Ópera urbana”, “Lucidez silenciosa”, “Cantares de roda”, “Aromas
de fêmea” ou “Travessia de abismos”, Cleberton Santos também está presente em
diversas antologias poéticas, revistas e jornais, no Brasil e no estrangeiro.
Atualmente reside na cidade de Feira de Santana (Estado da Bahia).
Qual foi o seu percurso desde Propriá, sua terra
natal, até Feira de Santana, onde leciona literatura brasileira?
Nasci em Propriá (1979), uma cidade ribeirinha do
estado de Sergipe, onde passei toda minha infância e parte de minha juventude
nos quintais cheios de carambolas e outas frutas tropicais. Lá tive minha
primeira formação humana e minhas primeiras experiências com a Literatura
através dos poemas de Castro Alves, Pablo Neruda, Cecília Meireles, Vinícius de
Moraes, Carlos Drummond de Andrade e Arthur Rimbaud. Na casa do amigo e
professor Mário Roberto participei de um ambiente cultural muito intenso com
filmes, xadrez, música, literatura e filosofia. Em Propriá, participei dos meus
primeiros concursos de poesia e de vários saraus e peças teatrais. Em 1999
comecei a cursar a Graduação em Letras Vernáculas na Universidade Estadual de
Feira de Santana (Bahia). Nesta cidade baiana publiquei meu primeiro livro
“Ópera Urbana” (2000) e iniciei um amplo diálogo com os escritores e
intelectuais da Bahia e de outras regiões do Brasil. Atualmente, moro em Feira
de Santana e sou professor de Língua Portuguesa e Literatura no Instituto
Federal da Bahia (IFBA campus Santo Amaro).
Num poema de “Lucidez silenciosa”, tem um verso em
que você diz : “Faço versos com retalhos de vida”. Pode explicar e dar
exemplos?
Este livro foi agraciado com o Prêmio Literário
Banco Capital (Salvador) e rendeu uma boa repercussão entre os críticos,
escritores e leitores brasileiros. Este verso traz ecos de minhas leituras de
Manuel Bandeira e traduz minha filosofia poética que escreve sobre tantas
coisas diferentes, por isso retalhos da vida. Essa imagem é forte no Nordeste
porque nos remete a um tipo de artesanato brasileiro que são as colchas de
retalho produzidas com vários tipos e sobras de pano. A vida sempre será uma
imensa e sonora colcha de retalhos ao olhar do poeta. Retalhos da minha vida
passada ou futura, retalhos das emoções e pensamentos. O olhar do poeta é
sempre um olhar que busca remendar os retalhos pela força da palavra lírica e
deixar fluir através do poema.
Justamente, você dá um enorme cuidado à palavra,
sua poesia é límpida e sem academismos. Por outro lado, seus versos têm uma
grande capacidade de síntese. De onde vem essa escrita?
A minha escrita poética é o oposto da minha prática
social comunicativa. Desde cedo gostei mais de poesia do que de prosa.
Encontrava nos versos, nos poemas curtos ou longos, de vários autores
brasileiros e estrangeiros uma identidade com minha alma, um sotaque mental. Um
verso de Fernando Pessoa fazia mais barulho em meu juízo do que um conto
inteiro. Também gosto muito da sonoridade das palavras, da escolha certa de
cada palavra para despertar sensações em mim e nos leitores. Assim, sempre
escrevi buscando essa síntese, esse sopro veloz do estado lírico que chega e
tão rapidamente abandona o poeta. Gosto do Verbo e de suas possibilidades
musicais e inventivas.
Nota-se também seu gosto particular pela mitologia,
pois ela está presente em alguns poemas seus, através do Minotauro, Sísifo,
etc.
Desde minha juventude sempre fui atraído pelas
narrativas mitológicas. Vejo nas mitologias uma grande possibilidade de recriar
o poético que vive submerso na vida cotidiana.
Em vários poemas, como no belíssimo poema “Canto de
alba” (in “Lucidez silenciosa”) aparece o sentimento de solidão, vaguidão,
lassidão, ausência, em contraste com outros poemas onde dominam a luz, as
sonoridades, a festa e os cantares. Pode explicar este (aparente?) paradoxo?
O que é nossa vida, a não ser um fatal paradoxo
poético. Conquistamos para perder, amamos para sofrer, escrevemos para
esquecer, destruímos para reconstruir, vivemos lembrando todos os dias que iremos
morrer. Meus poemas, ecoando os retalhos da vida, seguem o mesmo fluxo
paradoxal. Alegrias e tristezas que resultam de cada momento atravessado em
nossa jornada. Nosso corpo e nosso espírito sempre em busca de mais Vida. A
poesia sempre foi uma estrada paradoxal, como tão bem cantou Cecília Meireles:
“Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre
nem sou triste: sou poeta”.
É a primeira vez que vem a Paris. O que lhe motivou
esta viagem? Como está descobrindo esta cidade?
Sim, é a minha primeira vez em Paris. Na verdade,
minha primeira vez na Europa. Paris sempre fez parte de meu desejo de viajar.
Meu desejo de conhecer Paris cresceu pelas referências marcantes da cultura
francesa em nossa formação como no cinema, na música e na literatura. A poesia
de Charles Baudelaire foi muito impactante em minha formação acadêmica, pois
estudei o tema poesia e cidade desde a Graduação até o Mestrado, sob orientação
do professor e escritor Aleilton Fonseca. Então, esse imaginário sobre Paris
sempre chamou minha atenção. Durante esses noves dias que passei em Paris,
vivenciei uma cidade que se aproxima do imaginário cultural projetado pela arte
e também conheci outros aspetos sociais e culturais que só podemos constatar
através da experiência real e cotidiana possibilitada pela viagem com o olhar
atento e os diálogos necessários. Nesse sentido, agradeço muito sua acolhida e
nossas conversas durante dois dias de minha jornada em Paris.
Entrevista realizada por
Dominique Stoenesco e publicada no Lusojornal em Paris, 30/06/2022.
Dominique Stoenesco nasceu em
Besançon. Foi professor de português no Ensino Secundário público na região
parisiense e na Faculdade de Direito de Paris XII – Val-de-Marne. Coordenou
diversos projetos educativos e pedagógicos. É membro fundador da revista Latitudes – Cahiers Lusophones e
colaborador do semanário Lusojornal. Traduziu vários livros (romances, contos,
poesia) de autores lusófonos. Tem poemas publicados na antologia Poetas
lusófonos na diáspora (2020). É membro do Conselho de Administração da Association pour le
Développement des Études Portugaises, Brésiliennes, d’Afrique et d’Asie
Lusophones e membro correspondente da Academia de Letras da Bahia.
Traduziu vários autores brasileiros, entre eles: Antônio Torres, Antonio
Brasileiro e Aleilton Fonseca.