CANÇÃO PARA A MINHA REDE NO NORDESTE
Tem carícias de mulher a minha rede embalando...
Ram-rem... Devagar, canta a minha rede, neste calor de dezembro... Ram-rem...
O sol amarfanha lubricamente as estradas desertas,
debuxando arabescos de cobre e ouro nas sombras dos juazeiros.
É como exótico bailado de mulheres desnudas
a poeira que o cambaleante tropel dos cabritos arranca.
Bole um vento preguiçoso...
Na copa verde de uma fronde imóvel,
o sol bebe em austos violentos todo o silêncio do varjado.
A caatinga lânguida adormece... Rumor de mandíbulas triturando...
Enquanto lá fora a volúpia da luz entontece e amolenta,
na varanda, sinto, no calor, a lembrança dos teus braços
e queima nos meus lábios a quentura doida da tua boca ausente.
Canta a rede. Na redondeza, rola um ram-rem de armadores cansados.
No sopro que vem dos varjados em torpor,
chegam-me afagos dos teus cabelos nesta volúpia morna,
sinto o calor adolescente do teu corpo sumarento,
do teu corpo que tem o travor de um fruto verde no verão.
Embalança a rede devagar... Ram-rem... Devagar...
Tem carícias de mulher a minha rede embalando...
1933
BOAVENTURA, Eurico Alves. Poesias. Salvador: Fundação das Artes, EGBA, 1990. p. 133
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