EYSEN, Adriano. Cicatriz do Silêncio.
Salvador: EPP Publicações e Publicidade,
2007.
Epifanias dos meus trinta anos
I
O gado rumina no pasto
sonhos da antiga criança
e teus olhos
como duas peixeiras
cortam a epiderme
da minha velhice.
II
Os morcegos carregam angústias
dentro da casa
onde morou minha infância.
Seus vôos tortos
apunhalam a noite
afugentando saudades
e as íris do menino
vêm como rosetas
rasurar o retrato
da meninice de ontem.
III
Lá fora a vida passa
sob o instante da chuva
e dentro do homem
um cego tateia sonhos.
Há uma multidão de pingos
que varrem os soluços
do antigo menino
e o tempo galopa em mim.
IV
O que vejo são os anos
sete facas sangrando
a última infância.
Apenas uma fotografia estendida na lembrança.
No quarto, os morcegos trazem
o aroma do campo.
A vida é o que perdi
e o que já não tenho na memória.
V
Nesta antiga casa
os móveis velam
a bonança das borboletas
que repousam no retrato de meus pais.
Na varanda, a luz do candeeiro
comunga com a brisa
os segredos envelhecidos
dentro da noite fechada.
VI
E as éguas do meu avô
marcham no quintal
onde descobri
os sabores do sexo.
É triste falar das mulheres
que pisam como potras
a inutilidade do meu sono.
VII
Tardo, e o chocalho das vacas
ressoam um sertão
que habita a inocência
do meu filho.
Chove dentro da madrugada
e no dorso de uma égua baia
a morte vem como sete sóis
siderando meus trinta anos.
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