Obra de Romero Britto |
Tempo
e Espera
Ontem ficamos até tarde, um
olhando para o outro, na cama. Não queria adormecer. Queria ficar
contemplando-a a madrugada toda. Parece que ela não queria dormir também, mas,
enfim, seus olhinhos foram baixando devagarzinho, até que penderam e se
grudaram. Aquilo tudo era um êxtase. Não quero nem relembrar tudo quanto passei
para podermos estar juntos. Só Deus sabe o quanto sonhei com esse momento, o de
tê-la ali em meus braços. A espera me matava. Estava um tanto aflito, por achar
que não mais gostaria de mim. Isso também me apavorava. Afinal, passei uma eternidade
sem vê-la. Agora é só essa a visão que quero ter. A televisão ligada, sem
áudio, só para clarear o quarto. Nenhum filme da madrugada me chamaria atenção.
Eu nem queria. Só queria contemplá-la. Era uma sensação de protegê-la que me
impulsionava a querer aconchegá-la mais e mais em meus braços. Ela era só sono.
Acho que deveria sonhar também. Sonharia conosco? Sonharia sim. Também desejou
muito aquele momento. Em seus lábios, um sorrisinho angelical e sem mácula
denunciava que sonhava com coisas felizes. Depois de passarmos quase a noite
toda, desde o momento em que ela chegou, a procurarmos reaver todo o tempo de
distância, o sono era inevitável. Estávamos exaustos, mas com tanta alegria...
Comecei a ficar com os olhos pesados. Tentei resistir ao cansaço, pois o tempo
ao lado dela era precioso. Segurei na sua mão macia e pequena, tentando
alentar-me e fui rememorando os minutos que antecederam esse momento. Fui
relembrando da nossa conversa. Tínhamos muitas e muitas coisas para
conversarmos. Os assuntos até se atrapalhavam, de tão acumulados. Ela sorria.
Sorria de tudo que eu dizia ou fazia. Seu rostinho, seu sorriso, tudo me
alegrava. Eu acabei dormindo e nem me recordo em qual momento. Dormi um sono
tranquilo e sonhei um sonho bom. Um sonho de que não nos separaríamos nunca
mais. Ela era minha pra sempre. Eu caminhava por um bosque florido, com ela
segurando minha mão e sorrindo o tempo todo. Enfim, acordei. Fazia um friozinho
pela manhã, pois agora é inverno e nesses dias a gente nem quer se levantar. Hoje
estava bom pra ficar na cama até mais tarde. Resisti à preguiça. Levantei-me de
um salto, com ela ainda a dormir. Fiz um esforço para tirar meu braço de sua
cabecinha linda sem a acordá-la. Preparei um café bem caprichado, com chocolate
quente e torradas, com ela sempre gostou. Acordei-a, enfim. Já por volta das
nove horas. Ela adorou a refeiçãozinha matinal na cama e eu me contentei apenas
em vê-la comendo. Estava eufórico com ela, bem ali na minha cama, na minha casa
e não existia fome. Alimentava-me do seu riso, da sua face meiga. Eu a amava
mais que tudo. Não havia muito tempo que descobrira isso. Ficou a me relatar
mil e um casos em que vivera. Eu bebia todas as suas palavras. Vez por outra
acariciava seu rosto e a beijava na testa. Às onze horas, meu coração começou a
apertar, pois já se aproximava um momento que não desejaria que acontecesse.
Ela iria partir ao meio dia. Contra a minha vontade, contra a dela, mas era o
certo. Enfim, sua mãe a veio pegar. Estava no acordo, depois da nossa separação,
mas para mim é sempre difícil aceitar isso. Agora minha filhinha se foi para
outro estado, novamente, e só a verei no próximo ano, quando for o seu
aniversário de dez anos. Essa separação é uma tortura, mas tenho que aguentar.
Vou passar o resto desse sábado para reviver tudo que passamos ontem, eu e a
minha querida menininha.
Rubervânio
Rubinho Lima é da cidade de Paulo
Afonso, Bahia, tem 32 anos e escreve contos desde os 17. Possui Três livros
publicados, sendo “Conversas do Sertão” (contos), “Regionalismo Sertanejo”
(estudos literários) e “Outras Conversas do Sertão” (contos), além de ser
co-autor de outros livros sobre temas como cordel, cangaço e cultura popular. É
blogueiro e mantém dois blogs, conversasdosertao.com
e pobresofre.com, fazendo parte dos que
dedicam uma parte do seu tempo para entreterem pela internet. Membro da ALPA –
Academia de Letras de Paulo Afonso, do GMPA – Grupo multicultural de Paulo
Afonso, além de sócio da SBEC – Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço.
Criador também do Café Cultural, evento literário mensal que visa promover um
bate-papo com autores da região onde mora.
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