quinta-feira, 21 de março de 2019

RAFAEL RODRIGUES: o cronista



A literatura e seus efeitos
Um livro pode causar as mais diversas sensações em uma pessoa. Inclusive sensação nenhuma. Mas não vale a pena falar desse caso.
Um livro pode, inclusive, mudar a vida de uma pessoa. Fazer com que ela veja de uma maneira mais clara as coisas ao seu redor. Pode fazer com que uma pessoa aprenda mais sobre si mesma e encontre finalmente o seu caminho. Ou pode, e muitas vezes é bom que isso aconteça, fazer com que alguém perca completamente seu rumo e repense toda a sua vida até ali. Um livro pode fazê-la perceber quão incompleta fora sua trajetória até o instante em que finalizou a leitura daquela obra.
(Não, não estou exagerando. Não são devaneios. Tudo isso é possível e já aconteceu com muita gente. Eu que o diga.)
O escritor argentino César Aira disse, em uma das mesas da Flip de 2007, não exatamente com as palavras a seguir, que não aconselha ninguém a se aproximar da literatura. Muito pelo contrário: ele gostaria que as pessoas se afastassem dos livros, da literatura, porque ela, a literatura, faz com que o homem mergulhe em si mesmo e se torne um ser solitário, recluso, e até mesmo triste, melancólico.
Quando ouvi a declaração de Aira, fiquei incomodado. A literatura, para mim, é justamente o contrário disso. O ato de ler, no caso. Porque quando você lê uma obra, você quer comentar com alguém sobre ela, tendo gostado dela ou não. O fazer literatura, concordo, provoca mesmo tudo aquilo em um escritor ou escritora.
Ouvi a declaração de Aira e pensei em mim. A literatura me fez acordar, me fez descobrir o que realmente quero para a minha vida. A literatura me deu bons amigos, me deu vontades e ambições.
Depois da mesa, que também contou com o brasileiro Silviano Santiago, houve uma sessão de autógrafos. Munido de um exemplar de As noites de Flores, aboletei-me na fila. Quando chegou a minha vez, eu disse para o Aira, gaguejando e tentando ser o mais simpático e bem-humorado possível, que a literatura me fez sair da Bahia e ir a Paraty, e agora estava ali, pedindo um autógrafo a ele.
Aira sorriu, agradeceu, e não lembro se disse que só queria provocar um pouco a plateia. Acho que não, mas é bom lembrar desse jeito.


Rafael Rodrigues é escritor, copidesque e resenhista. Nasceu em 1983, em Feira de Santana, Bahia, onde vive. Tem resenhas, artigos e contos publicados em diversos veículos, como as revistas  Brasileiros e Conhecimento Prático Literatura, o Suplemento Literário de Minas GeraisSuplemento PernambucoRevista da Cultura e o jornal Rascunho. É autor dos livros “O escritor premiado e outros contos” (Multifoco, 2011) e “Mais um para a sua estante” (Casa Impressora de Almería, 2017, crônicas). Participou das antologias “O livro branco – 19 contos inspirados em músicas dos Beatles + bonus track” (Record, 2012) e “Tardes com anões” (Vento Leste, 2011, minicontos). Atualmente, mantém o blog Paliativos, edita a revista eletrônica de contos Outros Ares e eventualmente escreve para o site Huffington Post Brasil.

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