A literatura e seus efeitos
Um
livro pode causar as mais diversas sensações em uma pessoa. Inclusive sensação nenhuma.
Mas não vale a pena falar desse caso.
Um livro pode,
inclusive, mudar a vida de uma pessoa. Fazer com que ela veja de uma maneira
mais clara as coisas ao seu redor. Pode fazer com que uma pessoa aprenda mais
sobre si mesma e encontre finalmente o seu caminho. Ou pode, e muitas vezes é
bom que isso aconteça, fazer com que alguém perca completamente seu rumo e
repense toda a sua vida até ali. Um livro pode fazê-la perceber quão incompleta
fora sua trajetória até o instante em que finalizou a leitura daquela obra.
(Não, não estou
exagerando. Não são devaneios. Tudo isso é possível e já aconteceu com muita
gente. Eu que o diga.)
O
escritor argentino César Aira disse, em uma das mesas da Flip de 2007, não
exatamente com as palavras a seguir, que não aconselha ninguém a se aproximar
da literatura. Muito pelo contrário: ele gostaria que as pessoas se afastassem
dos livros, da literatura, porque ela, a literatura, faz com que o homem
mergulhe em si mesmo e se torne um ser solitário, recluso, e até mesmo triste,
melancólico.
Quando
ouvi a declaração de Aira, fiquei incomodado. A literatura, para mim, é
justamente o contrário disso. O ato de ler, no caso. Porque quando você lê uma
obra, você quer comentar com alguém sobre ela, tendo gostado dela ou não. O
fazer literatura, concordo, provoca mesmo tudo aquilo em um escritor ou escritora.
Ouvi
a declaração de Aira e pensei em mim. A literatura me fez acordar, me fez
descobrir o que realmente quero para a minha vida. A literatura me deu bons
amigos, me deu vontades e ambições.
Depois
da mesa, que também contou com o brasileiro Silviano Santiago, houve uma sessão
de autógrafos. Munido de um exemplar de As
noites de Flores, aboletei-me na fila. Quando chegou a minha vez, eu disse
para o Aira, gaguejando e tentando ser o mais simpático e bem-humorado
possível, que a literatura me fez sair da Bahia e ir a Paraty, e agora estava
ali, pedindo um autógrafo a ele.
Aira
sorriu, agradeceu, e não lembro se disse que só queria provocar um pouco a
plateia. Acho que não, mas é bom lembrar desse jeito.
Rafael
Rodrigues é escritor, copidesque e resenhista. Nasceu em 1983, em
Feira de Santana, Bahia, onde vive. Tem resenhas, artigos e contos publicados
em diversos veículos, como as revistas Brasileiros e Conhecimento Prático Literatura, o Suplemento Literário de Minas Gerais, Suplemento Pernambuco, Revista da Cultura e o jornal Rascunho. É autor dos livros “O escritor premiado e outros contos”
(Multifoco, 2011) e “Mais um para a sua estante” (Casa Impressora de Almería,
2017, crônicas). Participou das antologias “O livro branco – 19 contos
inspirados em músicas dos Beatles + bonus track” (Record, 2012) e “Tardes com
anões” (Vento Leste, 2011, minicontos). Atualmente, mantém o blog Paliativos, edita a revista
eletrônica de contos Outros Ares e
eventualmente escreve para o site Huffington Post Brasil.
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