domingo, 10 de julho de 2022

“FAÇO VERSOS COM RETALHOS DE VIDA”

Durante a sua breve estadia em Paris, na semana passada, tivemos o privilégio de entrevistar o poeta e professor de literatura brasileira, Cleberton Santos.

Autor de vários livros de poesia, entre os quais podemos citar “Ópera urbana”, “Lucidez silenciosa”, “Cantares de roda”, “Aromas de fêmea” ou “Travessia de abismos”, Cleberton Santos também está presente em diversas antologias poéticas, revistas e jornais, no Brasil e no estrangeiro. Atualmente reside na cidade de Feira de Santana (Estado da Bahia).

Qual foi o seu percurso desde Propriá, sua terra natal, até Feira de Santana, onde leciona literatura brasileira?

Nasci em Propriá (1979), uma cidade ribeirinha do estado de Sergipe, onde passei toda minha infância e parte de minha juventude nos quintais cheios de carambolas e outas frutas tropicais. Lá tive minha primeira formação humana e minhas primeiras experiências com a Literatura através dos poemas de Castro Alves, Pablo Neruda, Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade e Arthur Rimbaud. Na casa do amigo e professor Mário Roberto participei de um ambiente cultural muito intenso com filmes, xadrez, música, literatura e filosofia. Em Propriá, participei dos meus primeiros concursos de poesia e de vários saraus e peças teatrais. Em 1999 comecei a cursar a Graduação em Letras Vernáculas na Universidade Estadual de Feira de Santana (Bahia). Nesta cidade baiana publiquei meu primeiro livro “Ópera Urbana” (2000) e iniciei um amplo diálogo com os escritores e intelectuais da Bahia e de outras regiões do Brasil. Atualmente, moro em Feira de Santana e sou professor de Língua Portuguesa e Literatura no Instituto Federal da Bahia (IFBA campus Santo Amaro).

Num poema de “Lucidez silenciosa”, tem um verso em que você diz : “Faço versos com retalhos de vida”. Pode explicar e dar exemplos?

Este livro foi agraciado com o Prêmio Literário Banco Capital (Salvador) e rendeu uma boa repercussão entre os críticos, escritores e leitores brasileiros. Este verso traz ecos de minhas leituras de Manuel Bandeira e traduz minha filosofia poética que escreve sobre tantas coisas diferentes, por isso retalhos da vida. Essa imagem é forte no Nordeste porque nos remete a um tipo de artesanato brasileiro que são as colchas de retalho produzidas com vários tipos e sobras de pano. A vida sempre será uma imensa e sonora colcha de retalhos ao olhar do poeta. Retalhos da minha vida passada ou futura, retalhos das emoções e pensamentos. O olhar do poeta é sempre um olhar que busca remendar os retalhos pela força da palavra lírica e deixar fluir através do poema.

 

Justamente, você dá um enorme cuidado à palavra, sua poesia é límpida e sem academismos. Por outro lado, seus versos têm uma grande capacidade de síntese. De onde vem essa escrita?

A minha escrita poética é o oposto da minha prática social comunicativa. Desde cedo gostei mais de poesia do que de prosa. Encontrava nos versos, nos poemas curtos ou longos, de vários autores brasileiros e estrangeiros uma identidade com minha alma, um sotaque mental. Um verso de Fernando Pessoa fazia mais barulho em meu juízo do que um conto inteiro. Também gosto muito da sonoridade das palavras, da escolha certa de cada palavra para despertar sensações em mim e nos leitores. Assim, sempre escrevi buscando essa síntese, esse sopro veloz do estado lírico que chega e tão rapidamente abandona o poeta. Gosto do Verbo e de suas possibilidades musicais e inventivas.

 

Nota-se também seu gosto particular pela mitologia, pois ela está presente em alguns poemas seus, através do Minotauro, Sísifo, etc.

Desde minha juventude sempre fui atraído pelas narrativas mitológicas. Vejo nas mitologias uma grande possibilidade de recriar o poético que vive submerso na vida cotidiana.

Em vários poemas, como no belíssimo poema “Canto de alba” (in “Lucidez silenciosa”) aparece o sentimento de solidão, vaguidão, lassidão, ausência, em contraste com outros poemas onde dominam a luz, as sonoridades, a festa e os cantares. Pode explicar este (aparente?) paradoxo?

O que é nossa vida, a não ser um fatal paradoxo poético. Conquistamos para perder, amamos para sofrer, escrevemos para esquecer, destruímos para reconstruir, vivemos lembrando todos os dias que iremos morrer. Meus poemas, ecoando os retalhos da vida, seguem o mesmo fluxo paradoxal. Alegrias e tristezas que resultam de cada momento atravessado em nossa jornada. Nosso corpo e nosso espírito sempre em busca de mais Vida. A poesia sempre foi uma estrada paradoxal, como tão bem cantou Cecília Meireles: “Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta”.

 

É a primeira vez que vem a Paris. O que lhe motivou esta viagem? Como está descobrindo esta cidade?

Sim, é a minha primeira vez em Paris. Na verdade, minha primeira vez na Europa. Paris sempre fez parte de meu desejo de viajar. Meu desejo de conhecer Paris cresceu pelas referências marcantes da cultura francesa em nossa formação como no cinema, na música e na literatura. A poesia de Charles Baudelaire foi muito impactante em minha formação acadêmica, pois estudei o tema poesia e cidade desde a Graduação até o Mestrado, sob orientação do professor e escritor Aleilton Fonseca. Então, esse imaginário sobre Paris sempre chamou minha atenção. Durante esses noves dias que passei em Paris, vivenciei uma cidade que se aproxima do imaginário cultural projetado pela arte e também conheci outros aspetos sociais e culturais que só podemos constatar através da experiência real e cotidiana possibilitada pela viagem com o olhar atento e os diálogos necessários. Nesse sentido, agradeço muito sua acolhida e nossas conversas durante dois dias de minha jornada em Paris.

Entrevista realizada por Dominique Stoenesco e publicada no Lusojornal em Paris, 30/06/2022.

Dominique Stoenesco nasceu em Besançon. Foi professor de português no Ensino Secundário público na região parisiense e na Faculdade de Direito de Paris XII – Val-de-Marne. Coordenou diversos projetos educativos e pedagógicos. É membro fundador da revista Latitudes – Cahiers Lusophones e colaborador do semanário Lusojornal. Traduziu vários livros (romances, contos, poesia) de autores lusófonos. Tem poemas publicados na antologia Poetas lusófonos na diáspora (2020). É membro do Conselho de Administração da Association pour le Développement des Études Portugaises, Brésiliennes, d’Afrique et d’Asie Lusophones e membro correspondente da Academia de Letras da Bahia. Traduziu vários autores brasileiros, entre eles: Antônio Torres, Antonio Brasileiro e Aleilton Fonseca.

https://lusojornal.com/entrevista-com-cleberton-santos-faco-versos-com-retalhos-de-vida/?fbclid=IwAR2wf1VotOfGZ8zne6U0yRTiaC7X6mB2L7NskYscCfIDUgJ60h_ri6QlN80



 

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

JOSÉ ALBERTO AMORIM: LIVRO DE MEMÓRIAS

 


LANÇAMENTO EM ARACAJU 

O professor e escritor sergipano José Alberto Amorim lançará seu livro “Um batim nas memórias de um menino propriaense” na Biblioteca Pública Estadual Epifânio Dória.

Onde: Aracaju

Quando: 4 de novembro de 2021

Horário: 16h

 

Com muita propriedade tece ele com maestria e simplicidade reais acontecidos arquivados em nossas memórias, saboreando histórias de períodos que não voltarão jamais.             

         Tendo o professor abraçado os livros ainda jovens, enveredou Amorim a aprender e ensinar, onde labuta como exemplar mestre nos dias atuais.

         Das primeiras letras aos batentes das Universidades, sempre se destacou na forma do aprender, chegando a optar por História, onde é referência como historiador. Invade com desenvoltura a África, a qual costuma chamar de mãe; defensor da igualdade racial, com visão ampla na política social, tendo conhecimento nos fundamentos religiosos, chega agora Amorim dizendo à mãe Lusa de Camões a que veio e mostrando nos seus ‚alfarrábios a riqueza de tê-los nas bibliotecas e em uma boa estante.

Trecho do Prefácio de Iokanaan Santana.

 


quarta-feira, 20 de outubro de 2021

UMA LEITURA DO ROMANCE DE TATIANA COSTA VALVERDE

 

O romance “Tonho” é literatura para reconquistar a vida.

 

“Tonho estava passando seus piores dias. As pessoas comentando seu jeito de ser, e o incômodo do seu ser era maior do que os alheios comentários.” (p.15)

Fui acompanhando os dias da vida de Tonho através de 130 páginas de uma história envolvente sobre a complexa existência humana e revendo a nossa própria condição de fragilidade pela voz de uma narradora apaixonada em contar esse drama que muitos conhecem na própria pele e outros ignoram: o sofrimento psíquico. Um livro que me conquistou nas primeiras páginas, depois de sentir que precisava saber qual seria o destino de Tonho, não para julgá-lo pela verdade do meu espelho, mas para descobrir o quanto de Tonho carrego em meu ser e quantos outros “Tonhos” passam pela minha estrada. Assim, passei vinte dias lendo “Tonho”, primeiro romance publicado pela jovem escritora feirense Tatiana Costa Valverde, e buscando conhecer os mistérios de Deus e da Natureza pelos diálogos filosofais que tecem a trama da narrativa.

Conhecer a trajetória do jovem sertanejo Tonho e seu cavalo Donato (amigo e confidente) é revisitar os espaços interrogativos da alma humana em toda sua múltipla possibilidade de existir e resistir.  A escritora Tatiana Valverde nos conquista com uma narrativa de linguagem fluente, frases curtas, cortes cinematográficos entre o exterior da paisagem sertaneja e o interior das divagações do pensamento e sentimento das personagens que travam suas lutas com as dores da vida. Tatiana é também poeta e, por isso mesmo, soube tecer em seu romance uma linguagem descritiva intercalada com aquelas lâminas poéticas que atravessam os textos narrativos de autores como Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Adonias Filho e Aleilton Fonseca.

“Mas não se vê muitas vezes o amor. Não por maldade, mas por desvio. Às vezes, bate um desvio sobre o ser, que toma tudo o quanto é razão. Até leva a razão de viver. Tem-se que ter grande atenção para essas coisas. As vistas ficam turvas, de vez em quando, o coração esvazia, a alma parece nem mais estar no corpo, e o corpo, que o corpo? Um monte de ossos, em carne, com umas veias trazendo e levando sangue não sei para onde. E o comer vira fardo. Se aquiete, porque é momento de angústia, diga-se de passagem, muito triste, quando a mente dana a ser mais que você, na plena mocidade, na plena manhã, te dando ordem de parar, ou ordenamento de não ter para aonde ir...” (p. 27-28)

Além dos amplos diálogos com Donato, Tonho também tem um caderno para escrever sua vida como se tivesse consciência de que sua história deve ser anotada para não cair no esquecimento do tempo. O romance apresenta uma escritora que transforma a própria escrita (dela e de Tonho) numa atividade terapêutica como sempre apontaram outros poetas, filósofos e psicólogos. Escrever para não morrer. Ler para renascer pela vida dos outros ou como disse o poeta Manoel de Barros “Mas eu preciso ser Outros”. A literatura sempre como uma reconquista da vida.  

Tonho, seu cavalo Donato, sua mãe e sua irmã formam a primeira parte da história que caminha muito mais pelos vazios da vida, páginas de muita melancolia. O pai é ausência, uma ferida que repercute no coração de Tonho como no de tantos filhos e filhas que são “carentes de pai” nesse tão duro sertão-Brasil.

“Na roça, no Sertão Nordestino, moram Tonho, a mãe Dona Maria, e a irmã Dorinha. A casa, a mesma onde os filhos nasceram e cresceram, é a que viu Jovelino largar o filho aos dois anos de idade e a filha com seis meses de nascida. Sem motivo ou explicação dada à mulher, a casa não mais o viu. E assim cresceram os irmãos, entre nós e apegos, entre afagos e afetos, correntes e desesperos, espinhos e lágrimas, entre os rios que correm nas veias de Tonho.” (p. 14)

Uma história contada por uma narradora que vai envolvendo cada leitor pelo interesse e pela solidariedade, sentimento tão faltoso nos dias atuais, que nos faz abraçar a vida e o drama de Tonho e sua família.

Mas, como todo sertão é travessia, como bem nos ensinou Guimarães Rosa, o ser de Tonho também precisa atravessar as dores, os vazios, a solidão, a violência do olhar do outro, a falta de afeto de um mundo seco de empatias e tantos outros espinhos espalhados pela paisagem e pelas línguas ferinas, para depois esperançar por uma nova vida. Clara é amor. E o amor é também uma porta de salvação para si mesmo e para o outro.   

Não quero revelar demais as riquezas da odisseia de Tonho pelo sertão de si mesmo. Digo apenas que foi encantador pegar também meu cavalo de barro imaginário e cavalgar com o “filho de Maria” pelas veredas tão sombrias e claras, tão tristes e alegres, tão solitárias e solidárias que somente a literatura pode nos levar para conhecer nossa alma através dessas almas quase tão reais. Tatiana Costa Valverde entrega aos seus leitores e leitoras uma história de grande força existencial, de lirismo, de ternura, de valentia e conquista. Afinal de contas, “viver é muito perigoso”, num é Riobaldo?

E Tonho, assim como tantos personagens da ficção e da realidade, sabe que é preciso renascer de corpo e alma para continuar no sertão e seguir os passos da leveza que o amor e a amizade podem sempre nos ofertar.

“Depois de tanto tempo, Tonho seguiu os passos da leveza. Por instantes esqueceu-se do vazio que inundava a alma. Solidão. Angústia. Tinha um outro sertão além do que estava imerso. E era sertão leve. Com cheiro de alfazema. Claro. Nítido. Límpido. Ingênuo. Seria Clara, talvez, clareando as ideias e os espinhos.” (p. 77)

 

Tatiana Costa Valverde. Tonho. Editora Mondrongo, 2018. Prefácio de Aleilton Fonseca.

 

Cleberton Santos

Feira de Santana, 19 de outubro de 2021.






segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

IDMAR BOAVENTURA: um poema inédito

 

Ce la vie

 

queria apenas teu retrato

a branca mancha do sorriso

mas nem me restou o vazio

só me restou a falta

só me ficou a culpa

de não ter chegado a tempo

da fotografia

 

(poema de livro inédito)

 


Idmar Boaventura é natural de Feira de Santana, mas reside em Conceição do Jacuípe. Professor de Literatura e leciona na Universidade Estadual de Feira de Santana. Graduado em Letras pela UEFS, onde também cursou o mestrado de Literatura e Diversidade Cultural. Doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem poemas publicados em jornais, revistas e antologias da poesia baiana. Publicou “O desossar (d)as horas” (2004) e “A outra Margem” (2008). Em 2011, publicou um estudo acerca da poesia de Roberval Pereyr, intitulado “Dissonâncias diante do espelho: o homem e seus duplos”.

http://oxe.insix.com.br/idmar-boaventura/

http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/bahia/idmar_boaventura.html

 



quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

ALANA FREITAS EL FAHL: uma crônica inédita

 

                                                                  Aproveita

 

                                                                                  “A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros

Vinha da boca do povo na língua errada do povo

Língua certa do povo

Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil.”

 

Manuel Bandeira

 

 

A linguagem e seus códigos infinitos e misteriosos sempre me impressionaram desde criança. Pensava muito sobre o nome das coisas: Por que mesa é mesa? Por que bolo é bolo? Por que azul não é rosa? Quem inventou isso um dia? Com o passar do tempo esses pensamentos só se adensaram. Quando descobri que existiam outras línguas que não só a nossa a curiosidade só aumentou. Lembram-se das brincadeiras infames “fale pescoço em francês”? Que absurdo um palavrão!

Aliás, palavrão na infância é um capítulo a parte da nossa língua. Depois da primeira infância com sua escatologia peculiar, que me abstenho de aqui repetir, avançamos para outra esfera. Éramos três meninas em casa com um pai que xingava muito  e uma mãe que nos proibia de dizer nome feio. Entre nós três, o desaforo preferido eram os nomes de cobras, tão suaves e femininos: Cascavel, Surucucu, Caninana, Naja, Sucuri. Mas quando o pau quebrava mesmo, saia o inominável “Sai da frente Espelho sem luz” que era uma ofensa gravíssima para o desespero de nossa mãe.

Mais tarde descobri e me apaixonei perdidamente pela etimologia, a possibilidade de descobrir a origem das palavras é mesmo fascinante. Sou apaixonada por prefixos e sufixos e isso me salvou muitas vezes na compreensão de alguns termos. Sobretudo, os resultados de exames e termos técnicos de várias áreas que mais se parecem com um código secreto e indecifrável. Adoro o capítulo da gramática que trata do processo de formação das palavras e aquela lista de pedacinhos gregos e latinos que se casam e dão sentidos incríveis à língua e ainda se juntaram no Português brasileiro com termos africanos e indígenas, nossa geleia geral.  Com os dicionários então tenho um caso de amor, não me canso de folheá-los aleatoriamente e descobrir uma palavra nova, ou verificar aquela quinta acepção de um termo que é o que se encaixa naquilo que a gente leu, diferentemente da primeira, mais fácil e comum.

Mas na verdade nenhum manual dá conta da dinâmica da linguagem. Ela é viva e se realiza na língua do povo, “na língua gostosa do povo”, na sua semântica movente, que faz bárbaro, sinistro e “da porra” virarem elogios. Aliás esse último é de uma polissemia incontornável e se encaixa em várias classes gramaticais que vão do substantivo à interjeição. Dentre um dos seus usos que mais me impressionam está a expressão: “Boa porra”! Ela desestabiliza qualquer conversa. Você diz: Hoje encontrei fulano! Seu amigo responde com aquela entonação de desprezo: - Boa porra!  Não precisa dizer mais nada, para ele esse alguém é um ser desprezível E sem salvação. Acontece também quando você quer enaltecer algum feito: Fulaninho se formou, foi para Europa, casou... E alguém devolve de lá: Boa porra! Fim de papo, não há mais como continuar esse diálogo.

Agora esse “bolodoro”, esse “trololó”, esse “cerca Lourenço” todo é porque eu quero falar de outra expressão, que na verdade é uma teoria:  Teoria do Aproveita. Uma das mais complexas que existem e tenho certeza que todos a utilizam de alguma forma ou já foram vítimas de sua sofisticada teia. Ela faz com que você acredite que fazer um grande favor para o outro é muito bom para você. Na verdade é a teoria do se aproveita. Vejamos algumas de suas aplicações:

Quarto do casal à noite, um levanta para ir ao banheiro ou cozinha, o cônjuge deitado (substantivo sobrecomum de propósito, pode ser um dos dois), que parecia estar à espera daquele momento, imediatamente dá o bote: --Aproveita que você levantou e traz um chá para mim. Aproveita e traz um pedaço de bolo, traz duas laranjas, um prato e uma faca e vê se a luz da garagem ficou acesa... Saia logo, a lista pode aumentar...

Você diz que vai a São Paulo alguém logo se pronuncia: - Aproveita que tu vai, tem uma loja na Vinte e Cinco de Março, facílima de achar, que tem um  creme de cabelo ótimo, você vai adorar, traz um para mim e  a gente acerta. E lá vai você viajar pensando no maldito creme e se sentido culpada de dizer não para um favorzinho tão simples. Se a viagem for internacional então, pule fora, se esconda por um tempo, não anuncie, vai rolar listas, marcas, lojas, dicas, tudo baseado na Teoria do Aproveita.

Eu tenho uma tia, especialista nessa teoria, e como ela conhecia gente nos quatro cantos do Brasil era um perigo falar na frente dela que você ia em tal lugar: Ah, você vai na Paraíba? Vai levar um requeijão para minha comadre Neuza e ainda sugeria que a gente visitasse amigas íntimas que só ela conhecia em nome dela. E lá ia a vítima com um bocapiu a mais na bagagem.

As situações são muitas e se multiplicam, você vai a uma consulta médica e alguém pede para você fazer uma pergunta sobre o problema dele. Vai ao Supermercado Baratão? Aproveita e traz um shampoo anti-caspa para mim que só tem lá. Vai à farmácia, ao menos um band aid vão te pedir. Essa teoria é uma boa porra... Agora corra mesmo se alguém começar a conversa com: Eu nunca te pedi nada! Corra porque é barril, roubada, bucha, saia-justa, roleta, esparro, boca de...

(Crônica do livro inédito)


A escritora e professora Alana Freitas El Fahl

Alana Freitas El Fahl, nascida e criada em Feira de Santana. Professora Titular de Literatura Portuguesa e Brasileira da Universidade Estadual de Feira de Santana. Autora dos livros “Singularidades Narrativas: Uma leitura dos contos de Eça de Queirós” e do livro de crônicas “Nós que apagamos a lua”, criadora do blog “Entretelas” no qual analisa novelas, séries e filmes à luz da Teoria Literária. @entretelasblog


Livro publicado em 2018.
 


quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

DIA DO LEITOR: Projeto OXE de Literatura Baiana Contemporânea

 

Hoje, 07 de janeiro, comemora-se o Dia do Leitor. Nada mais justo para celebrar este dia do que Homenagear o “Projeto OXE: literatura baiana contemporânea”, grande mediador na formação de leitores e leitoras e no estudo e divulgação da vasta Literatura Baiana. Desenvolvido desde 2014, no IFBA campus Santo Amaro, sob a orientação da Professora Doutora Maria das Graças Meirelles, este projeto realiza ações de extensão e pesquisa sempre voltadas para estimular o potencial da Leitura, Educação e Cultura na comunidade. Entre as inúmeras ações do Projeto, destaco aqui o “Portal OXE” que apresenta a produção literária de mais de 100 escritores e escritoras da Bahia.


 http://oxe.insix.com.br/


 “O Portal OXE é uma das ações de mediação leitora do projeto OXE: literatura baiana contemporânea  que ocorre no IFBA, campus Santo Amaro, desde 2014. A criação do portal foi motivada pela necessidade de ter disponível um acervo que possibilitasse acesso a textos literários de autorxs baianxs de gerações distintas e gêneros diversos, voltado principalmente estudantes da educação básica. Além de ser um instrumento educacional, o site possibilita a circulação de textos literários baianos em mídias e redes digitais.”


Evento no Teatro Dona Canô, Santo Amaro. 


Festival de Culturas na Unilab, São Francisco do Conde. 


Feira do Livro de Feira de Santana, com o poeta Franklin Maxado. 

 http://oxe.insix.com.br/


AMIGO


Mesmo que o teu caminho

não seja o mesmo que o meu

 

Mesmo que a tua vontade

não encontre desejos em mim

 

Mesmo que a minha alegria

fira a tua tristeza

e tuas gargalhadas

não encontrem risos em mim

 

Saiba que eu estou em você

e que você sempre estará em mim

 

Afinal, a manga, a maça.

o jenipapo e o tamarindo

são irmãos da jaca, da banana

e do abacaxi.


Douglas de Almeida








quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

TRÍVIO: Reynaldo Valinho Alvarez

 




SORRISO II

(02/05/2012)

 

Reinventar o amor a cada dia

foi tudo o que fizemos, tu e eu.

Não nos moveu tão só a fantasia,

mas a força que o próprio amor nos deu.

 

Cada sorriso teu traz-me a alegria

que varre e limpa um céu de angústia e breu.

Quanto mais me sorris, mais se alivia

o fado que sustento junto ao teu.

 

Enquanto ainda levanto, ajo e respiro,

quero viver à sombra do retiro

que me ofereces, quando mais preciso.

 

Navego e, do teu lado, busco o norte

no oceano que nos coube como sorte,

rumo ao porto anunciado em teu sorriso.

 

(Confissões do nada, Quinze sonetos de amor para Maria José)

 

ALVAREZ, Reynaldo Valinho. Trívio. Rio de Janeiro: Editora Contraste, 2017. 



terça-feira, 5 de janeiro de 2021

REYNALDO VALINHO ALVAREZ: 90 ANOS DE UM GRANDE POETA BRASILEIRO!


 

O solitário gesto de viver
não demanda a coragem que há na faca,
na ponta do punhal e até no grito
de quem fala mais alto e está coberto
de razões, de certezas, de verdades.
O gesto de viver se oculta em dobras
tão íntimas do ser, que o desfazê-las
é mais que indelicado, é violência
que nem sequer se pode conceber.
O gesto de viver é só coragem,
mas, de tal forma próprio e incomparável,
que não se exprime em verbo, imagem, mímica
ou qualquer outra forma conhecida
de contar, definir ou explicar.
A coragem no gesto de viver
está em coisas simples, por exemplo,
na diária decisão de levantar.
E mais, em se vestir e trabalhar
por entre espadas, punhos e navalhas,
peito aberto, sem armas, passo firme,
e à noite, ainda intacto, regressar.

 

O solitário gesto de viver. Prêmio Fernando Chinaglia 1978, União Brasileira de Escritores.


ALVAREZ, Reynaldo Valinho. A faca pelo fio: poemas reunidos. Rio de Janeiro: Imago, 1999.

Nasceu no Rio de Janeiro, no dia 06 de janeiro de 1931. É autor de vários livros de prosa e poesia e suas obras foram traduzidas em muitos idiomas. Recebeu muitos prêmios literários no Brasil e no exterior, destacando-se: da Academia Brasileira de Letras (1981), da Fundação Biblioteca Nacional (1995), o Prêmio Jabuti 1998 de Poesia da Câmara Brasileira do Livro, entre tantos outros. Seu primeiro livro Cidade em grito (poesia, 1973) e seu mais recente Trívio (poesia, 2017). Vive na cidade do Rio de Janeiro e continua em plena criação literária.



Rio de Janeiro, agosto de 2005. Visitei a casa e o arquivo pessoal do poeta Reynaldo Valinho Alvarez para minha pesquisa de Mestrado. Fui muito bem acolhido pelo poeta e sua esposa Maria José.  


Tive a alegria de conhecer o poeta Reynaldo Valinho Alvarez e sua espoa Maria José de Sant’Anna Alvarez durante o “Colóquio Internacional de Poesia” na Universidade Estadual de Feira de Santana, em 2003. Foi o início de uma longa troca de correspondências e livros. Em 2004, iniciei meu mestrado em literatura e diversidade cultural (UEFS) e fiz meu projeto de pesquisa sobre a poesia de Reynaldo Valinho Alvarez orientado pelo professor e escritor Aleilton Fonseca. Até hoje, mantemos comunicação e trocas literárias. Sou profundamente agradecido pela leitura da poesia e por compartilhar da amizade desse grande poeta da Língua Portuguesa. Quero aqui Celebrar os 90 anos de Vida do Poeta e do grande ser humano Reynaldo Valinho Alvarez. Festejemos também seus 48 anos de criação literária. 

http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/brasil/reynaldo_valinho.html

https://www.estantevirtual.com.br/livros/reynaldo-valinho-alvarez/lavradio/1483053806?gclid=EAIaIQobChMI5O7Zz8KF7gIVj4eRCh25cAydEAAYASAAEgJutfD_BwE

http://rauldeleoni.com.br/correspondentes/reynaldo-valinho-alvarez/

https://www.academia.org.br/artigos/linhagem-de-um-poeta

http://www.penclubedobrasil.org.br/valinho1.html

http://www.italiamiga.com.br/artecultura/artigos/novo_lan%CF%84amento_do_poeta_reynald.htm

http://tede2.uefs.br:8080/handle/tede/8?mode=full


segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

NATHAN SOUSA – POETA DO PIAUÍ

 


PLANO DE FUGA

 

Sou eu quem desfaz tua tenda

(tua morada de frêmitos)

Sou eu quem guarda os pergaminhos

de tua água de cheiro;

de teu caminho de mesa e memória.

É nesta copa de chuva e lírica

que tu me ofereces o vinho

e o broto das renúncias;

a música e a lástima

em osso.

Nela

mato minha fome de trapo;

minha deusa e sua eclusa de iguarias.

Sou eu quem demarca tua rota de Antuérpia

(teu repertório de inauditas sinfonias)

 

In: A metáfora do adeus (Folheando, 2020)

 



Nathan Sousa (Teresina, 1973) é ficcionista, poeta, letrista e dramaturgo. Tecnólogo em Marketing e professor. É autor de vários livros, dentre eles, Um esboço de nudez (2014), Mosteiros (2015), Nenhum aceno será esquecido (2015), Semântica das aves (2017), O tecido das águas (2019) e Anfíbia (2019), além da peça teatral O que te escrevo é puro corpo inteiro. Venceu por 05 vezes os prêmios da União Brasileira de Escritores. Foi finalista do prêmio Jabuti 2015 e do I Prémio Internacional de Poesia António Salvado. Trabalha com escrita criativa. É colunista do blog da revista Revestrés. Tem poemas traduzidos para o inglês, francês, espanhol e italiano. Recebeu a Medalhada da Ordem do Mérito Renascença.

 

http://www.revistarevestres.com.br/blog/nathansousa/

https://www.editorapenalux.com.br/autor/Mzc=/Nathan_Sousa

http://www.mallarmargens.com/2014/11/06-poemas-de-nathan-sousa.html

http://www.editorafolheando.com.br/