Novo livro do poeta Wesley Correia, lançado em 12/03/2020.
Corpo morto de meu
pai
Sobre
o corpo morto de meu pai,
os
muitos lapsos desintegraram
e
toda consciência se elevou diáfana,
na
tarde de um domingo sem fim.
E
tão imorredouro era o corpo sem vida,
tão
farto o sangue na carne insepulta,
que
nem o fluxo do soro estancava
(pouco
convencido das veias jazidas),
nem
a bexiga morta deixava de mijar.
E
tão esfuziante era o corpo morto
na
rubra intimidade a apodrecer,
que
as paixões mais assombrosas do mundo
desejaram
ali se abrigar:
suplantado
estava o indefinível hiato político,
também
o preço do gás,
o
vigor dos verbos guardados,
o
ranger das portas, o cão mudo com fome,
também
as provas de amor,
também
toda lágrima e todo riso,
também
qualquer presságio
ou
sintomas de beleza distante
ou
qualquer “como vai?”
a
fulgurar na manhã vulgar.
Somente
a humanidade incauta
que
exalou do corpo morto de meu pai
é o
que é para sempre.
Afinar o fôlego das
palavras
Retendo o “fôlego das palavras”, segue nosso poeta Wesley
Correia pelas estradas intensas da alma. Habitante de abismos, sabe que não
está sozinho. Existencial e social, sua poesia mescla os anseios e revoltas do
nosso tempo histórico e das vertigens de cada leitor. Seu instrumento poético está
sempre (re)afinado pelo diapasão de um Deus negro que habita em todos nós.
Sentir e pensar cada verso para além de sua própria voz, eis o convite, e assim
encontrar nossas vozes que ressoam em cada incerteza poética disfarçada de
conselho:
Se queiram bem,
minhas filhas,
para que vosso bem
quebrante o espírito
de quem não o tem.
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