quinta-feira, 23 de abril de 2020

WESLEY CORREIA - laboratório de incertezas

Novo livro do poeta Wesley Correia, lançado em 12/03/2020. 


Corpo morto de meu pai

Sobre o corpo morto de meu pai,
os muitos lapsos desintegraram
e toda consciência se elevou diáfana,
na tarde de um domingo sem fim.

E tão imorredouro era o corpo sem vida,
tão farto o sangue na carne insepulta,
que nem o fluxo do soro estancava
(pouco convencido das veias jazidas),
nem a bexiga morta deixava de mijar.

E tão esfuziante era o corpo morto
na rubra intimidade a apodrecer,
que as paixões mais assombrosas do mundo
desejaram ali se abrigar:
suplantado estava o indefinível hiato político,
também o preço do gás,
o vigor dos verbos guardados,
o ranger das portas, o cão mudo com fome,
também as provas de amor,
também toda lágrima e todo riso,
também qualquer presságio
ou sintomas de beleza distante
ou qualquer “como vai?”
a fulgurar na manhã vulgar.

Somente a humanidade incauta
que exalou do corpo morto de meu pai
é o que é para sempre.



Afinar o fôlego das palavras

Retendo o “fôlego das palavras”, segue nosso poeta Wesley Correia pelas estradas intensas da alma. Habitante de abismos, sabe que não está sozinho. Existencial e social, sua poesia mescla os anseios e revoltas do nosso tempo histórico e das vertigens de cada leitor. Seu instrumento poético está sempre (re)afinado pelo diapasão de um Deus negro que habita em todos nós. Sentir e pensar cada verso para além de sua própria voz, eis o convite, e assim encontrar nossas vozes que ressoam em cada incerteza poética disfarçada de conselho:

Se queiram bem,
minhas filhas,
para que vosso bem
quebrante o espírito
de quem não o tem. 

Cleberton Santos
Texto para divulgação do livro.  

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