sábado, 8 de agosto de 2009

POETA EURICO ALVES BOAVENTURA

CANÇÃO PARA A MINHA REDE NO NORDESTE


Tem carícias de mulher a minha rede embalando...

Ram-rem... Devagar, canta a minha rede, neste calor de dezembro... Ram-rem...

O sol amarfanha lubricamente as estradas desertas,
debuxando arabescos de cobre e ouro nas sombras dos juazeiros.
É como exótico bailado de mulheres desnudas
a poeira que o cambaleante tropel dos cabritos arranca.

Bole um vento preguiçoso...
Na copa verde de uma fronde imóvel,
o sol bebe em austos violentos todo o silêncio do varjado.
A caatinga lânguida adormece... Rumor de mandíbulas triturando...
Enquanto lá fora a volúpia da luz entontece e amolenta,
na varanda, sinto, no calor, a lembrança dos teus braços
e queima nos meus lábios a quentura doida da tua boca ausente.

Canta a rede. Na redondeza, rola um ram-rem de armadores cansados.

No sopro que vem dos varjados em torpor,
chegam-me afagos dos teus cabelos nesta volúpia morna,
sinto o calor adolescente do teu corpo sumarento,
do teu corpo que tem o travor de um fruto verde no verão.

Embalança a rede devagar... Ram-rem... Devagar...

Tem carícias de mulher a minha rede embalando...

1933

BOAVENTURA, Eurico Alves. Poesias. Salvador: Fundação das Artes, EGBA, 1990. p. 133

Nenhum comentário: