segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA

Correio Braziliense – 16/11/2008

por AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA

“PENA QUE TENHAMOS LEVADO 500 ANOS PARA DESCOBRIRQUE O SOL, A PRAIA E A BRISA NOS COQUEIROS ERAMUM IMBATÍVEL INVESTIMENTO TURÍSTICO”

Estou entendendo por que os holandeses queriam ficar por lá no Recife. E estou entendendo por que os espanhóis e portugueses não queriam, por sua vez, arredar pé do Nordeste brasileiro. Esse sol, esses coqueiros, essas ondas, essa brisa contínua, estou entendendo por que os gringos continuam chegando dos seus países frios para se espicharem nessas praias, nos deques das piscinas, se entregando à água de coco e à santa preguiça tropical. Do Rio de Janeiro até o Ceará, o Brasil oferece ao mundo as mais faiscantes e fascinantes praias. Pena que tenhamos levado 500 anos para descobrir que o sol, a praia e a brisa nos coqueiros eram um imbatível investimento turístico.

O carro que me leva para Porto de Galinhas, a 50 minutos do Recife, vai passando por intermináveis canaviais; bem que João Cabral havia feito poemas aludindo àquilo que o mar ensina ao canavial e o que o canavial ensina ao mar. Esse é um mar verde. As folhas ondeiam e as ondas são verdes montanhas. Passo pela Porta do Sol e chego à Fliporto, naquele lugar onde (dizem) desembarcavam galinhas de Angola (e escravos). Agora desembarca outra coisa, literatura. Numa iniciativa de Antônio Campos e da poeta Lucila Nogueira, aqui estão dezenas de escritores africanos de língua portuguesa. Pepetela, Agualusa, Ondjaki, Patraquim, Chiziani, enfim, dezenas de autores que parecem ter surgido de repente, depois de uns 500 anos de repressão cultural.



Há uns 30 anos mal se podia falar de literatura de expressão portuguesa na África. Lembro-me que, no princípio dos anos 90, uma ministra da Educação de Angola veio visitar a Biblioteca Nacional e era tal a carência de livros naquele país que doei dezenas de caixas de livros nossos. Ela me dizia fazer questão de desembarcar em Angola com as caixas. Em Moçambique, há uns 15 anos realizaram a primeira feira de livros. Não havia praticamente livros para tal evento. Lá fui levando dezenas de caixas de livros, o Brasil ajudando o país a se reerguer da devastação da guerrilha. Lembro-me do ministro da Cultura moçambicano me dizer que todas as bibliotecas tinham sido devastadas pela guerra. Hoje, vários escritores moçambicanos tornam-se celebridades e uma dúzia de autores africanos viraram vedetes internacionais e estão ajudando a reinventar seus países.
Sigo minha viagem de lançamento de O enigma vazio: impasses da arte e da critica. Agora desembarco em Natal. Se na Fliporto havia reencontrado, além dos africanos, uma dúzia de escritores brasileiros que há 40 anos peregrinam comigo pelo país, agora em Natal reencontro algumas das figuras fundamentais na história recente da leitura no país. Acreditem: a história da leitura no Brasil é outra desde que há uns 20 anos surgiu uma geração disposta a mudar as coisas e que se aglutinou em torno do antigo Proler da Biblioteca Nacional. Lá em Natal, por exemplo, a professora Marly Amarilho acaba de reunir 900 professoras e professores em torno do 5º Seminário Educação e Leitura. Ali revejo, entre outros, Eliana Yunes, Gregório Filho, Tânia Rossling, Marta Morais Costa, Marcelo Andrade, Goyandira Ortiz e muitos mais. Ali, a Cátedra Unesco de Leitura da PUC-RJ, realizando a tarefa de sistematizar e aglutinar o que se está fazendo nessa área, lançou um extraordinário portal para pesquisas sobre leitura (www.catedra.puc-rio.br) de alcance internacional.
Muita coisa está em movimento. Na África, no Brasil e até nos Estados Unidos, vejam o efeito Obama. O mundo está mudando e exige novas maneiras de ser lido e interpretado.
Se Maurício de Nassau voltasse ao Nordeste, ia alegremente se espantar. Aliás, até Frei Caneca, aquele que queria libertar do atraso aquela porção do país e morreu enforcado por liderar a Confederação do Equador, talvez até ele gostasse de ver o que andei vendo “ao som do mar e à luz do céu profundo”.

© "Um outro Nordeste", por Affonso Romano de Sant'Anna. Correio Braziliense, 16 de novembro de 2008.
© Fotos: Rafael Medeiros (Especiais Fliporto - ExclusivaBR)
Grande parte da programação literária da Fliporto 2008 foi transmitida ao vivo para a internet. Acessibilidade e inclusão digital marcam historicamente a IV FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PORTO DE GALINHAS.

Nenhum comentário: