domingo, 11 de março de 2012

A "marca" do conhecimento: os abusos do mercado escolar

Por Cleberton Santos**
clebertonpoeta@yahoo.com.br

Sou pai e professor, portanto ocupo os dois lados da bancada. Penso com o bolso do pai e reflito com a formação do profissional da educação. Sendo assim, a semana passada andei pelas livrarias de Paulo Afonso para comprar o material escolar do meu filho, único herdeiro das minhas leituras. O primeiro comentário que surgiu de uma mãe que cruzei pelo caminho foi: “Meu filho só quer usar material de boa marca, material que custa muito caro.” Ouvi e nada comentei com aquela mãe angustiada. Depois fiquei sendo perseguido por estas reflexões que agora compartilho com vocês, meus amigos leitores.
Desde quando o conhecimento tem “marca”? Vamos tentar projetar algumas situações interessantes! Imaginemos se os grandes poetas mundiais precisassem de papel de “marca X” para escrever seus belos poemas! Se os geniais pintores do renascimento precisassem da tinta “marca Y” para construírem suas obras inigualáveis! Se o fabuloso arquiteto Oscar Niemeyr dependesse de um lápis da “marca Z” para desenhar Brasília! Se... Bem, são tantos os exemplos esdrúxulos, mas fiquemos por aqui.
Não foram as “marcas” dos materiais ou equipamentos que formaram os gênios ou simplesmente as grandes mentes da sociedade humana. Não foram as “marcas” que desenvolveram as ideias filosóficas e os projetos científicos que conhecemos hoje. Foram as mentes brilhantes de homens e mulheres que construíram pontes, inventaram fórmulas físicas, escreveram romances, produziram vacinas, analisaram problemas sociais e contribuíram ativamente para o avanço científico, social e artístico da humanidade.
Sou filho de pais de classe baixa e nunca conheci esses tais materiais de “marca”, meu caderno se chamava “caderno”, meu lápis se chamava “lápis” e todos os outros materiais escolares eram apenas ferramentas, utensílios que utilizava na escola para viabilizar no mundo material as ideias e os pensamentos que brotavam da minha cabeça sergipana. Nunca segurei um lápis especial que escrevesse uma dissertação nota dez. Nunca tive uma régua que realizasse meus cálculos de geometria. Sempre precisei estudar muito, realizar inúmeras leituras literárias, refazer incontáveis exercícios, analisar várias fórmulas, compreender múltiplos acontecimentos históricos e geográficos para acompanhar o desenvolvimento das aulas.
Voltemos ao causo das compras do material do meu filho que vai estudar no maternal. A senhora que me atendeu na livraria foi simpática e compreensiva. Explanei minha teoria educacional para ela e então obtive resultados. Ela apenas colocou sobre o balcão o material que era útil e barato, sem preocupação com as “marcas” de fantasia mercadológica que apenas exploram o desconhecimento pedagógico dos pais. Fiquei muito feliz com a inteligência da vendedora, afinal essa é sua função: agradar o cliente.
E no final das contas, meu filho vai pra escola com todo o material solicitado, não fiquei cheio de dívidas inúteis e ainda carrego em meu peito a plena certeza de que se meu filho um dia fizer parte da equipe científica que irá descobrir a cura da AIDS não será por méritos da lapiseira da “marca tal”.

** Cleberton dos Santos, professor do IFBA e poeta.

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