Levamos um longo período sem atualizar esse blog cultural. Agora, seremos mais ativos! Estamos de volta com mais literatura e outras linguagens culturais. Abraços aos leitores e leitoras!
CLEBERTON SANTOS
Cleberton Santos (14/05/1979, Propriá/SE) é poeta e professor do IFBA campus Santo Amaro. Mestre em Literatura e Diversidade Cultural pela UEFS. Publicou os livros “Ópera urbana” (2000), “Lucidez silenciosa” ( 2005) “Cantares de roda” (2011), “Aromas de fêmea” (2013), "Estante Viva” (2013 ) e "Travessia de abismos" (2015). Vencedor do Prêmio Escritor Universitário Alceu Amoroso Lima da Academia Brasileira de Letras (2002). Este blog é dedicado à divulgação da Literatura e outras Artes.
domingo, 14 de setembro de 2025
domingo, 10 de julho de 2022
“FAÇO VERSOS COM RETALHOS DE VIDA”
Durante a sua breve estadia em Paris, na semana passada, tivemos o privilégio de entrevistar o poeta e professor de literatura brasileira, Cleberton Santos.
Autor de vários livros de poesia, entre os quais
podemos citar “Ópera urbana”, “Lucidez silenciosa”, “Cantares de roda”, “Aromas
de fêmea” ou “Travessia de abismos”, Cleberton Santos também está presente em
diversas antologias poéticas, revistas e jornais, no Brasil e no estrangeiro.
Atualmente reside na cidade de Feira de Santana (Estado da Bahia).
Qual foi o seu percurso desde Propriá, sua terra
natal, até Feira de Santana, onde leciona literatura brasileira?
Nasci em Propriá (1979), uma cidade ribeirinha do
estado de Sergipe, onde passei toda minha infância e parte de minha juventude
nos quintais cheios de carambolas e outas frutas tropicais. Lá tive minha
primeira formação humana e minhas primeiras experiências com a Literatura
através dos poemas de Castro Alves, Pablo Neruda, Cecília Meireles, Vinícius de
Moraes, Carlos Drummond de Andrade e Arthur Rimbaud. Na casa do amigo e
professor Mário Roberto participei de um ambiente cultural muito intenso com
filmes, xadrez, música, literatura e filosofia. Em Propriá, participei dos meus
primeiros concursos de poesia e de vários saraus e peças teatrais. Em 1999
comecei a cursar a Graduação em Letras Vernáculas na Universidade Estadual de
Feira de Santana (Bahia). Nesta cidade baiana publiquei meu primeiro livro
“Ópera Urbana” (2000) e iniciei um amplo diálogo com os escritores e
intelectuais da Bahia e de outras regiões do Brasil. Atualmente, moro em Feira
de Santana e sou professor de Língua Portuguesa e Literatura no Instituto
Federal da Bahia (IFBA campus Santo Amaro).
Num poema de “Lucidez silenciosa”, tem um verso em
que você diz : “Faço versos com retalhos de vida”. Pode explicar e dar
exemplos?
Este livro foi agraciado com o Prêmio Literário
Banco Capital (Salvador) e rendeu uma boa repercussão entre os críticos,
escritores e leitores brasileiros. Este verso traz ecos de minhas leituras de
Manuel Bandeira e traduz minha filosofia poética que escreve sobre tantas
coisas diferentes, por isso retalhos da vida. Essa imagem é forte no Nordeste
porque nos remete a um tipo de artesanato brasileiro que são as colchas de
retalho produzidas com vários tipos e sobras de pano. A vida sempre será uma
imensa e sonora colcha de retalhos ao olhar do poeta. Retalhos da minha vida
passada ou futura, retalhos das emoções e pensamentos. O olhar do poeta é
sempre um olhar que busca remendar os retalhos pela força da palavra lírica e
deixar fluir através do poema.
Justamente, você dá um enorme cuidado à palavra,
sua poesia é límpida e sem academismos. Por outro lado, seus versos têm uma
grande capacidade de síntese. De onde vem essa escrita?
A minha escrita poética é o oposto da minha prática
social comunicativa. Desde cedo gostei mais de poesia do que de prosa.
Encontrava nos versos, nos poemas curtos ou longos, de vários autores
brasileiros e estrangeiros uma identidade com minha alma, um sotaque mental. Um
verso de Fernando Pessoa fazia mais barulho em meu juízo do que um conto
inteiro. Também gosto muito da sonoridade das palavras, da escolha certa de
cada palavra para despertar sensações em mim e nos leitores. Assim, sempre
escrevi buscando essa síntese, esse sopro veloz do estado lírico que chega e
tão rapidamente abandona o poeta. Gosto do Verbo e de suas possibilidades
musicais e inventivas.
Nota-se também seu gosto particular pela mitologia,
pois ela está presente em alguns poemas seus, através do Minotauro, Sísifo,
etc.
Desde minha juventude sempre fui atraído pelas
narrativas mitológicas. Vejo nas mitologias uma grande possibilidade de recriar
o poético que vive submerso na vida cotidiana.
Em vários poemas, como no belíssimo poema “Canto de
alba” (in “Lucidez silenciosa”) aparece o sentimento de solidão, vaguidão,
lassidão, ausência, em contraste com outros poemas onde dominam a luz, as
sonoridades, a festa e os cantares. Pode explicar este (aparente?) paradoxo?
O que é nossa vida, a não ser um fatal paradoxo
poético. Conquistamos para perder, amamos para sofrer, escrevemos para
esquecer, destruímos para reconstruir, vivemos lembrando todos os dias que iremos
morrer. Meus poemas, ecoando os retalhos da vida, seguem o mesmo fluxo
paradoxal. Alegrias e tristezas que resultam de cada momento atravessado em
nossa jornada. Nosso corpo e nosso espírito sempre em busca de mais Vida. A
poesia sempre foi uma estrada paradoxal, como tão bem cantou Cecília Meireles:
“Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre
nem sou triste: sou poeta”.
É a primeira vez que vem a Paris. O que lhe motivou
esta viagem? Como está descobrindo esta cidade?
Sim, é a minha primeira vez em Paris. Na verdade,
minha primeira vez na Europa. Paris sempre fez parte de meu desejo de viajar.
Meu desejo de conhecer Paris cresceu pelas referências marcantes da cultura
francesa em nossa formação como no cinema, na música e na literatura. A poesia
de Charles Baudelaire foi muito impactante em minha formação acadêmica, pois
estudei o tema poesia e cidade desde a Graduação até o Mestrado, sob orientação
do professor e escritor Aleilton Fonseca. Então, esse imaginário sobre Paris
sempre chamou minha atenção. Durante esses noves dias que passei em Paris,
vivenciei uma cidade que se aproxima do imaginário cultural projetado pela arte
e também conheci outros aspetos sociais e culturais que só podemos constatar
através da experiência real e cotidiana possibilitada pela viagem com o olhar
atento e os diálogos necessários. Nesse sentido, agradeço muito sua acolhida e
nossas conversas durante dois dias de minha jornada em Paris.
Entrevista realizada por
Dominique Stoenesco e publicada no Lusojornal em Paris, 30/06/2022.
Dominique Stoenesco nasceu em
Besançon. Foi professor de português no Ensino Secundário público na região
parisiense e na Faculdade de Direito de Paris XII – Val-de-Marne. Coordenou
diversos projetos educativos e pedagógicos. É membro fundador da revista Latitudes – Cahiers Lusophones e
colaborador do semanário Lusojornal. Traduziu vários livros (romances, contos,
poesia) de autores lusófonos. Tem poemas publicados na antologia Poetas
lusófonos na diáspora (2020). É membro do Conselho de Administração da Association pour le
Développement des Études Portugaises, Brésiliennes, d’Afrique et d’Asie
Lusophones e membro correspondente da Academia de Letras da Bahia.
Traduziu vários autores brasileiros, entre eles: Antônio Torres, Antonio
Brasileiro e Aleilton Fonseca.
quarta-feira, 3 de novembro de 2021
JOSÉ ALBERTO AMORIM: LIVRO DE MEMÓRIAS
LANÇAMENTO EM ARACAJU
O professor e escritor sergipano
José Alberto Amorim lançará seu livro “Um
batim nas memórias de um menino propriaense” na Biblioteca Pública Estadual
Epifânio Dória.
Onde: Aracaju
Quando: 4 de novembro de 2021
Horário: 16h
Com muita propriedade tece ele com
maestria e simplicidade reais acontecidos arquivados em nossas memórias,
saboreando histórias de períodos que não voltarão jamais.
Tendo o professor abraçado os livros
ainda jovens, enveredou Amorim a aprender e ensinar, onde labuta como exemplar
mestre nos dias atuais.
Das primeiras letras aos batentes das
Universidades, sempre se destacou na forma do aprender, chegando a optar por
História, onde é referência como historiador. Invade com desenvoltura a África,
a qual costuma chamar de mãe; defensor da igualdade racial, com visão ampla na
política social, tendo conhecimento nos fundamentos religiosos, chega agora
Amorim dizendo à mãe Lusa de Camões a que veio e mostrando nos seus
‚alfarrábios a riqueza de tê-los nas bibliotecas e em uma boa estante.
Trecho do Prefácio de Iokanaan
Santana.
quarta-feira, 20 de outubro de 2021
UMA LEITURA DO ROMANCE DE TATIANA COSTA VALVERDE
O romance “Tonho” é literatura para reconquistar a vida.
“Tonho
estava passando seus piores dias. As pessoas comentando seu jeito de ser, e o
incômodo do seu ser era maior do que os alheios comentários.” (p.15)
Fui
acompanhando os dias da vida de Tonho através de 130 páginas de uma história
envolvente sobre a complexa existência humana e revendo a nossa própria
condição de fragilidade pela voz de uma narradora apaixonada em contar esse
drama que muitos conhecem na própria pele e outros ignoram: o sofrimento
psíquico. Um livro que me conquistou nas primeiras páginas, depois de sentir
que precisava saber qual seria o destino de Tonho, não para julgá-lo pela verdade
do meu espelho, mas para descobrir o quanto de Tonho carrego em meu ser e
quantos outros “Tonhos” passam pela minha estrada. Assim, passei vinte dias
lendo “Tonho”, primeiro romance publicado pela jovem escritora feirense Tatiana
Costa Valverde, e buscando conhecer os mistérios de Deus e da Natureza pelos
diálogos filosofais que tecem a trama da narrativa.
Conhecer a
trajetória do jovem sertanejo Tonho e seu cavalo Donato (amigo e confidente) é
revisitar os espaços interrogativos da alma humana em toda sua múltipla
possibilidade de existir e resistir. A
escritora Tatiana Valverde nos conquista com uma narrativa de linguagem
fluente, frases curtas, cortes cinematográficos entre o exterior da paisagem
sertaneja e o interior das divagações do pensamento e sentimento das
personagens que travam suas lutas com as dores da vida. Tatiana é também poeta
e, por isso mesmo, soube tecer em seu romance uma linguagem descritiva intercalada
com aquelas lâminas poéticas que atravessam os textos narrativos de autores
como Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Adonias Filho e Aleilton Fonseca.
“Mas não se
vê muitas vezes o amor. Não por maldade, mas por desvio. Às vezes, bate um
desvio sobre o ser, que toma tudo o quanto é razão. Até leva a razão de viver.
Tem-se que ter grande atenção para essas coisas. As vistas ficam turvas, de vez
em quando, o coração esvazia, a alma parece nem mais estar no corpo, e o corpo,
que o corpo? Um monte de ossos, em carne, com umas veias trazendo e levando
sangue não sei para onde. E o comer vira fardo. Se aquiete, porque é momento de
angústia, diga-se de passagem, muito triste, quando a mente dana a ser mais que
você, na plena mocidade, na plena manhã, te dando ordem de parar, ou
ordenamento de não ter para aonde ir...” (p. 27-28)
Além dos
amplos diálogos com Donato, Tonho também tem um caderno para escrever sua vida
como se tivesse consciência de que sua história deve ser anotada para não cair
no esquecimento do tempo. O romance apresenta uma escritora que transforma a
própria escrita (dela e de Tonho) numa atividade terapêutica como sempre apontaram
outros poetas, filósofos e psicólogos. Escrever para não morrer. Ler para
renascer pela vida dos outros ou como disse o poeta Manoel de Barros “Mas eu
preciso ser Outros”. A literatura sempre como uma reconquista da vida.
Tonho, seu
cavalo Donato, sua mãe e sua irmã formam a primeira parte da história que
caminha muito mais pelos vazios da vida, páginas de muita melancolia. O pai é
ausência, uma ferida que repercute no coração de Tonho como no de tantos filhos
e filhas que são “carentes de pai” nesse tão duro sertão-Brasil.
“Na roça,
no Sertão Nordestino, moram Tonho, a mãe Dona Maria, e a irmã Dorinha. A casa,
a mesma onde os filhos nasceram e cresceram, é a que viu Jovelino largar o
filho aos dois anos de idade e a filha com seis meses de nascida. Sem motivo ou
explicação dada à mulher, a casa não mais o viu. E assim cresceram os irmãos,
entre nós e apegos, entre afagos e afetos, correntes e desesperos, espinhos e
lágrimas, entre os rios que correm nas veias de Tonho.” (p. 14)
Uma
história contada por uma narradora que vai envolvendo cada leitor pelo
interesse e pela solidariedade, sentimento tão faltoso nos dias atuais, que nos
faz abraçar a vida e o drama de Tonho e sua família.
Mas, como
todo sertão é travessia, como bem nos ensinou Guimarães Rosa, o ser de Tonho
também precisa atravessar as dores, os vazios, a solidão, a violência do olhar
do outro, a falta de afeto de um mundo seco de empatias e tantos outros
espinhos espalhados pela paisagem e pelas línguas ferinas, para depois
esperançar por uma nova vida. Clara é amor. E o amor é também uma porta de
salvação para si mesmo e para o outro.
Não quero
revelar demais as riquezas da odisseia de Tonho pelo sertão de si mesmo. Digo apenas que foi encantador pegar também meu
cavalo de barro imaginário e cavalgar com o “filho de Maria” pelas veredas tão
sombrias e claras, tão tristes e alegres, tão solitárias e solidárias que
somente a literatura pode nos levar para conhecer nossa alma através dessas
almas quase tão reais. Tatiana Costa Valverde entrega aos seus leitores e
leitoras uma história de grande força existencial, de lirismo, de ternura, de
valentia e conquista. Afinal de contas, “viver é muito perigoso”, num é
Riobaldo?
E Tonho,
assim como tantos personagens da ficção e da realidade, sabe que é preciso
renascer de corpo e alma para continuar no sertão e seguir os passos da leveza
que o amor e a amizade podem sempre nos ofertar.
“Depois de
tanto tempo, Tonho seguiu os passos da leveza. Por instantes esqueceu-se do
vazio que inundava a alma. Solidão. Angústia. Tinha um outro sertão além do que
estava imerso. E era sertão leve. Com cheiro de alfazema. Claro. Nítido.
Límpido. Ingênuo. Seria Clara, talvez, clareando as ideias e os espinhos.” (p.
77)
Tatiana Costa Valverde. Tonho. Editora Mondrongo, 2018. Prefácio
de Aleilton Fonseca.
Cleberton Santos
Feira de Santana, 19 de outubro de 2021.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2021
IDMAR BOAVENTURA: um poema inédito
Ce la vie
queria apenas teu retrato
a branca mancha do sorriso
mas nem me restou o vazio
só me restou a falta
só me ficou a culpa
de não ter chegado a tempo
da fotografia
(poema de livro inédito)
http://oxe.insix.com.br/idmar-boaventura/
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/bahia/idmar_boaventura.html
quarta-feira, 20 de janeiro de 2021
ALANA FREITAS EL FAHL: uma crônica inédita
Aproveita
“A vida não me chegava pelos jornais nem
pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil.”
Manuel Bandeira
A
linguagem e seus códigos infinitos e misteriosos sempre me impressionaram desde
criança. Pensava muito sobre o nome das coisas: Por que mesa é mesa? Por que
bolo é bolo? Por que azul não é rosa? Quem inventou isso um dia? Com o passar
do tempo esses pensamentos só se adensaram. Quando descobri que existiam outras
línguas que não só a nossa a curiosidade só aumentou. Lembram-se das
brincadeiras infames “fale pescoço em francês”? Que absurdo um palavrão!
Aliás,
palavrão na infância é um capítulo a parte da nossa língua. Depois da primeira
infância com sua escatologia peculiar, que me abstenho de aqui repetir,
avançamos para outra esfera. Éramos três meninas em casa com um pai que xingava
muito e uma mãe que nos proibia de dizer
nome feio. Entre nós três, o desaforo preferido eram os nomes de cobras, tão suaves
e femininos: Cascavel, Surucucu, Caninana, Naja, Sucuri. Mas quando o pau
quebrava mesmo, saia o inominável “Sai da frente Espelho sem luz” que era uma
ofensa gravíssima para o desespero de nossa mãe.
Mais
tarde descobri e me apaixonei perdidamente pela etimologia, a possibilidade de
descobrir a origem das palavras é mesmo fascinante. Sou apaixonada por prefixos
e sufixos e isso me salvou muitas vezes na compreensão de alguns termos. Sobretudo,
os resultados de exames e termos técnicos de várias áreas que mais se parecem
com um código secreto e indecifrável. Adoro o capítulo da gramática que trata
do processo de formação das palavras e aquela lista de pedacinhos gregos e
latinos que se casam e dão sentidos incríveis à língua e ainda se juntaram no
Português brasileiro com termos africanos e indígenas, nossa geleia geral. Com os dicionários então tenho um caso de
amor, não me canso de folheá-los aleatoriamente e descobrir uma palavra nova,
ou verificar aquela quinta acepção de um termo que é o que se encaixa naquilo
que a gente leu, diferentemente da primeira, mais fácil e comum.
Mas
na verdade nenhum manual dá conta da dinâmica da linguagem. Ela é viva e se
realiza na língua do povo, “na língua gostosa do povo”, na sua semântica
movente, que faz bárbaro, sinistro e “da porra” virarem elogios. Aliás esse
último é de uma polissemia incontornável e se encaixa em várias classes
gramaticais que vão do substantivo à interjeição. Dentre um dos seus usos que
mais me impressionam está a expressão: “Boa porra”! Ela desestabiliza qualquer
conversa. Você diz: Hoje encontrei fulano! Seu amigo responde com aquela
entonação de desprezo: - Boa porra! Não
precisa dizer mais nada, para ele esse alguém é um ser desprezível E sem
salvação. Acontece também quando você quer enaltecer algum feito: Fulaninho se
formou, foi para Europa, casou... E alguém devolve de lá: Boa porra! Fim de
papo, não há mais como continuar esse diálogo.
Agora
esse “bolodoro”, esse “trololó”, esse “cerca Lourenço” todo é porque eu quero
falar de outra expressão, que na verdade é uma teoria: Teoria do Aproveita. Uma das mais complexas
que existem e tenho certeza que todos a utilizam de alguma forma ou já foram
vítimas de sua sofisticada teia. Ela faz com que você acredite que fazer um
grande favor para o outro é muito bom para você. Na verdade é a teoria do se
aproveita. Vejamos algumas de suas aplicações:
Quarto
do casal à noite, um levanta para ir ao banheiro ou cozinha, o cônjuge deitado
(substantivo sobrecomum de propósito, pode ser um dos dois), que parecia estar
à espera daquele momento, imediatamente dá o bote: --Aproveita que você
levantou e traz um chá para mim. Aproveita e traz um pedaço de bolo, traz duas
laranjas, um prato e uma faca e vê se a luz da garagem ficou acesa... Saia
logo, a lista pode aumentar...
Você
diz que vai a São Paulo alguém logo se pronuncia: - Aproveita que tu vai, tem
uma loja na Vinte e Cinco de Março, facílima de achar, que tem um creme de cabelo ótimo, você vai adorar, traz
um para mim e a gente acerta. E lá vai
você viajar pensando no maldito creme e se sentido culpada de dizer não para um
favorzinho tão simples. Se a viagem for internacional então, pule fora, se
esconda por um tempo, não anuncie, vai rolar listas, marcas, lojas, dicas, tudo
baseado na Teoria do Aproveita.
Eu
tenho uma tia, especialista nessa teoria, e como ela conhecia gente nos quatro
cantos do Brasil era um perigo falar na frente dela que você ia em tal lugar:
Ah, você vai na Paraíba? Vai levar um requeijão para minha comadre Neuza e
ainda sugeria que a gente visitasse amigas íntimas que só ela conhecia em nome
dela. E lá ia a vítima com um bocapiu a mais na bagagem.
As
situações são muitas e se multiplicam, você vai a uma consulta médica e alguém
pede para você fazer uma pergunta sobre o problema dele. Vai ao Supermercado Baratão?
Aproveita e traz um shampoo anti-caspa para mim que só tem lá. Vai à farmácia,
ao menos um band aid vão te pedir.
Essa teoria é uma boa porra... Agora corra mesmo se alguém começar a conversa
com: Eu nunca te pedi nada! Corra porque é barril, roubada, bucha, saia-justa, roleta,
esparro, boca de...
(Crônica
do livro inédito)
Alana Freitas El Fahl, nascida e
criada em Feira de Santana. Professora Titular de Literatura Portuguesa e
Brasileira da Universidade Estadual de Feira de Santana. Autora dos livros “Singularidades
Narrativas: Uma leitura dos contos de Eça de Queirós” e do livro de crônicas “Nós
que apagamos a lua”, criadora do blog “Entretelas” no qual analisa novelas,
séries e filmes à luz da Teoria Literária. @entretelasblog
quinta-feira, 7 de janeiro de 2021
DIA DO LEITOR: Projeto OXE de Literatura Baiana Contemporânea
Hoje, 07 de janeiro, comemora-se o Dia do Leitor. Nada mais justo para celebrar este dia do que
Homenagear o “Projeto OXE: literatura
baiana contemporânea”, grande mediador na formação de leitores e leitoras e
no estudo e divulgação da vasta Literatura Baiana. Desenvolvido desde 2014, no
IFBA campus Santo Amaro, sob a orientação da Professora Doutora Maria das
Graças Meirelles, este projeto realiza ações de extensão e pesquisa sempre
voltadas para estimular o potencial da Leitura, Educação e Cultura na
comunidade. Entre as inúmeras ações do Projeto, destaco aqui o “Portal OXE” que apresenta a produção literária de mais de 100 escritores
e escritoras da Bahia.
AMIGO
Mesmo que o teu caminho
não seja o mesmo que o meu
Mesmo que a tua vontade
não encontre desejos em mim
Mesmo que a minha alegria
fira a tua tristeza
e tuas gargalhadas
não encontrem risos em mim
Saiba que eu estou em você
e que você sempre estará em mim
Afinal, a manga, a maça.
o jenipapo e o tamarindo
são irmãos da jaca, da banana
e do abacaxi.
Douglas de Almeida
quarta-feira, 6 de janeiro de 2021
TRÍVIO: Reynaldo Valinho Alvarez
SORRISO II
(02/05/2012)
Reinventar o amor a cada
dia
foi tudo o que fizemos, tu
e eu.
Não nos moveu tão só a
fantasia,
mas a força que o próprio
amor nos deu.
Cada sorriso teu traz-me a
alegria
que varre e limpa um céu
de angústia e breu.
Quanto mais me sorris,
mais se alivia
o fado que sustento junto
ao teu.
Enquanto ainda levanto,
ajo e respiro,
quero viver à sombra do
retiro
que me ofereces, quando
mais preciso.
Navego e, do teu lado,
busco o norte
no oceano que nos coube
como sorte,
rumo ao porto anunciado em
teu sorriso.
(Confissões do nada, Quinze sonetos de amor para Maria José)
ALVAREZ, Reynaldo Valinho.
Trívio. Rio de Janeiro: Editora
Contraste, 2017.
terça-feira, 5 de janeiro de 2021
REYNALDO VALINHO ALVAREZ: 90 ANOS DE UM GRANDE POETA BRASILEIRO!
O solitário
gesto de viver
não demanda a coragem que há na faca,
na ponta do punhal e até no grito
de quem fala mais alto e está coberto
de razões, de certezas, de verdades.
O gesto de viver se oculta em dobras
tão íntimas do ser, que o desfazê-las
é mais que indelicado, é violência
que nem sequer se pode conceber.
O gesto de viver é só coragem,
mas, de tal forma próprio e incomparável,
que não se exprime em verbo, imagem, mímica
ou qualquer outra forma conhecida
de contar, definir ou explicar.
A coragem no gesto de viver
está em coisas simples, por exemplo,
na diária decisão de levantar.
E mais, em se vestir e trabalhar
por entre espadas, punhos e navalhas,
peito aberto, sem armas, passo firme,
e à noite, ainda intacto, regressar.
O solitário gesto de viver. Prêmio Fernando Chinaglia 1978, União
Brasileira de Escritores.
ALVAREZ, Reynaldo Valinho. A faca pelo fio: poemas reunidos. Rio de Janeiro: Imago, 1999.
Nasceu
no Rio de Janeiro, no dia 06 de janeiro de 1931. É autor de vários livros de prosa e poesia e suas obras foram traduzidas em muitos idiomas. Recebeu muitos
prêmios literários no Brasil e no exterior, destacando-se: da Academia
Brasileira de Letras (1981), da Fundação Biblioteca Nacional (1995), o Prêmio
Jabuti 1998 de Poesia da Câmara Brasileira do Livro, entre tantos outros. Seu
primeiro livro Cidade em grito (poesia,
1973) e seu mais recente Trívio (poesia,
2017). Vive na cidade do Rio de Janeiro e continua em plena criação literária.
Tive
a alegria de conhecer o poeta Reynaldo Valinho Alvarez e sua espoa Maria José
de Sant’Anna Alvarez durante o “Colóquio Internacional de Poesia” na Universidade
Estadual de Feira de Santana, em 2003. Foi o início de uma longa troca de
correspondências e livros. Em 2004, iniciei meu mestrado em literatura e diversidade
cultural (UEFS) e fiz meu projeto de pesquisa sobre a poesia de Reynaldo Valinho
Alvarez orientado pelo professor e escritor Aleilton Fonseca. Até hoje,
mantemos comunicação e trocas literárias. Sou profundamente agradecido pela leitura
da poesia e por compartilhar da amizade desse grande poeta da Língua
Portuguesa. Quero aqui Celebrar os 90 anos de Vida do Poeta e do grande ser
humano Reynaldo Valinho Alvarez. Festejemos também seus 48 anos de criação
literária.
http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/brasil/reynaldo_valinho.html
http://rauldeleoni.com.br/correspondentes/reynaldo-valinho-alvarez/
https://www.academia.org.br/artigos/linhagem-de-um-poeta
http://www.penclubedobrasil.org.br/valinho1.html
http://www.italiamiga.com.br/artecultura/artigos/novo_lan%CF%84amento_do_poeta_reynald.htm
http://tede2.uefs.br:8080/handle/tede/8?mode=full
segunda-feira, 4 de janeiro de 2021
NATHAN SOUSA – POETA DO PIAUÍ
PLANO DE FUGA
Sou eu quem desfaz tua tenda
(tua morada de frêmitos)
Sou eu quem guarda os pergaminhos
de tua água de cheiro;
de teu caminho de mesa e memória.
É nesta copa de chuva e lírica
que tu me ofereces o vinho
e o broto das renúncias;
a música e a lástima
em osso.
Nela
mato minha fome de trapo;
minha deusa e sua eclusa de iguarias.
Sou eu quem demarca tua rota de
Antuérpia
(teu repertório de inauditas
sinfonias)
In: A metáfora do adeus
(Folheando, 2020)
Nathan Sousa (Teresina, 1973) é ficcionista, poeta, letrista e dramaturgo. Tecnólogo em Marketing e professor. É autor de vários livros, dentre eles, Um esboço de nudez (2014), Mosteiros (2015), Nenhum aceno será esquecido (2015), Semântica das aves (2017), O tecido das águas (2019) e Anfíbia (2019), além da peça teatral O que te escrevo é puro corpo inteiro. Venceu por 05 vezes os prêmios da União Brasileira de Escritores. Foi finalista do prêmio Jabuti 2015 e do I Prémio Internacional de Poesia António Salvado. Trabalha com escrita criativa. É colunista do blog da revista Revestrés. Tem poemas traduzidos para o inglês, francês, espanhol e italiano. Recebeu a Medalhada da Ordem do Mérito Renascença.
http://www.revistarevestres.com.br/blog/nathansousa/
https://www.editorapenalux.com.br/autor/Mzc=/Nathan_Sousa
http://www.mallarmargens.com/2014/11/06-poemas-de-nathan-sousa.html
http://www.editorafolheando.com.br/