quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Epifanias dos meus trinta anos

EYSEN, Adriano. Cicatriz do Silêncio.
Salvador: EPP Publicações e Publicidade,
2007.

Epifanias dos meus trinta anos

I

O gado rumina no pasto
sonhos da antiga criança

e teus olhos
como duas peixeiras

cortam a epiderme
da minha velhice.

II

Os morcegos carregam angústias
dentro da casa
onde morou minha infância.

Seus vôos tortos
apunhalam a noite
afugentando saudades

e as íris do menino
vêm como rosetas

rasurar o retrato
da meninice de ontem.

III

Lá fora a vida passa
sob o instante da chuva
e dentro do homem
um cego tateia sonhos.

Há uma multidão de pingos
que varrem os soluços
do antigo menino
e o tempo galopa em mim.


IV

O que vejo são os anos
sete facas sangrando
a última infância.
Apenas uma fotografia estendida na lembrança.

No quarto, os morcegos trazem
o aroma do campo.
A vida é o que perdi
e o que já não tenho na memória.

V

Nesta antiga casa
os móveis velam
a bonança das borboletas
que repousam no retrato de meus pais.

Na varanda, a luz do candeeiro
comunga com a brisa
os segredos envelhecidos
dentro da noite fechada.

VI

E as éguas do meu avô
marcham no quintal
onde descobri
os sabores do sexo.

É triste falar das mulheres
que pisam como potras
a inutilidade do meu sono.

VII

Tardo, e o chocalho das vacas
ressoam um sertão
que habita a inocência
do meu filho.

Chove dentro da madrugada
e no dorso de uma égua baia
a morte vem como sete sóis
siderando meus trinta anos.

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