domingo, 7 de setembro de 2008

FLIPORTO 2008

Atravessar o Atlântico, mas no sentido inverso ao dos navios negreiros que trouxeram ao nosso continente mais de 9 milhões de escravos, a partir dos primeiros anos do século XVI. Aos 120 anos da Abolição, celebrar o significado da África no Brasil e na América Latina, nós, afro-brasileiros, afro-latinos, no confronto aos códigos de discriminação e opressão. Não é geográfico esse ponto de retorno, uma vez que reside inquebrantável dentro de nossa memória étnica. Trata-se de um reencontro com o nosso chão psicológico, nossa paisagem mais nítida, a fisionomia que não conseguiram tornar invisível. Latino-americanos a congregar os vários desdobramentos da diáspora africana nestes tempos pós-coloniais. Conscientes de suas vastas raízes, sabedores que os próprios iberos colonizadores já traziam dentro de si o sangue norte-africano, após 8 séculos em que eles dominaram a península. Brasileiros que, há cinco anos, têm uma legislação, a de número 10.639, sancionada a 9 de janeiro de 2003, que tornou obrigatório, no ensino Fundamental e Médio, o ensino de história e cultura afro-brasileira e de história e cultura africana, estabelecendo diretrizes para as relações inter-étnicas em nosso país. A educação multicultural vem significar o resgate da plenitude histórica e social quanto à identidade racial e à diversidade na sociedade pluriétnica, implementando ações que superem a falsificação histórica aos afro-descendentes. Há nas universidades brasileiras um verdadeiro boom de estudos acadêmicos sobre autores africanos, sobre a formação do continente e sua evolução desde mesmo a cultura egípcia até os processos políticos mais recentes. O caminho seguido é a releitura da historiografia africana, o percurso de seus traços identitários em fatos marcantes, a preocupação com problemas comuns, como o desmatamento e a pobreza. Em 1925, o mexicano José Vasconcelos afirmou que na América Latina estava se formando uma nova raça, feita com a riqueza de todas as anteriores, a raça final, a raça cósmica. Há uma seqüência de pensadores que tem ajudado o nosso povo a não perder jamais a auto-estima, desde Bartolomá de Las Casas, o Apóstolo da América, até Simon Bolívar, José Marti, Sousândrade, José Veríssimo. Sabemos reconhecer a importância da mitologia azteca, bela como a da Grécia, sentimos a riqueza de nossa cultura mestiça, sentimos orgulho da presença africana em nossa cultura, na música, no temperamento, na literatura. A terceira versão da FLIPORTO, realizada em setembro do ano passado, internacionalizou-se e transformou o Brasil em um pólo congregador dos vários países latino-americanos. Cuba, Colômbia, Nicarágua, Porto Rico, República Dominicana, Bolívia, Chile, Peru, México, Argentina, Uruguai, Venezuela estiveram aqui representados, escritores referenciais em suas comunidades, com militância ativa em seu pacto literário. E tudo em um ambiente descontraído, característico do Nordeste, presentes também grandes nomes nacionais e pernambucanos, de modo que os convidados ficaram impressionados inclusive com o grande público presente à programação literária, em uma euforia compatível com a intensidade e profissionalismo como foi desenvolvido o nosso trabalho. Agora, nos estendemos à África, com o tema TRILHA DA DIÁSPORA: LITERATURA EM ÁFRICA E AMÉRICA LATINA. Iremos nos ater mais detalhadamente aos países de língua portuguesa, porém celebrando autores como a primeira mulher africana negra a receber o Prêmio Nobel da Paz, Wangari Maathai (Quênia, 2004) e o primeiro africano negro Prêmio Nobel de Literatura, Wole Soyinka (Nigéria,1986). Homenageando o poeta negro Cruz e Sousa, fundador do nosso simbolismo, aos 110 anos de sua passagem, bem como o poeta baiano Castro Alves, pelos 140 anos da apresentação pública de Tragédia no Mar, que viria a se chamar O Navio Negreiro (1868). Machado de Assis merecerá também nosso destaque pelos 100 anos de sua passagem (1908). O "Bruxo do Cosme Velho", como é referenciado em algumas páginas de nossa literatura, levou a arte brasileira a um dos mais altos cumes. Mas para isso precisou vencer a pobreza, a orfandade, a epilepsia, a gagueira e o preconceito étnico por ser mulato. Homenageamos nesta versão o grande escritor Jorge Amado, pelos 70 anos de publicação na França de Jubiabá, vitória obtida após haverem sido queimadas, no ano anterior, as edições de O país do carnaval, Suor, Cacau, Mar Morte, Capitães de Areia e o próprio Jubiabá, por determinação da Sexta Região Militar. A FLIPORTO 2008 presta, ainda, uma significativa homenagem ao centenário do poeta negro pernambucano Solano Trindade, bem como aos 120 anos da Abolição. Outro homenageado é Josué de Castro nos cem anos de nascimento. Na praia de Porto de Galinhas, antigo porto de escravos, nos dias 06 a 09 de novembro, dar-se-á o encontro/reencontro das etnias: escritores de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, debatendo temas de interesse comum com escritores brasileiros, hispano-americanos, autores portugueses e espanhóis estudiosos do pós-colonialismo, teóricos fundamentais contemporâneos dos estudos inter-étnicos e culturais. Tudo dentro da perspectiva que não vê a literatura como mero entretenimento, mas como fator educacional de formação humanística, como parte da cultura, como princípio ético/estético a preencher o vazio e fortalecer no homem a coragem, a resistência, o gosto da beleza, a busca de si mesmo, a solidariedade entre os povos.

ANTÔNIO CAMPOS

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