Bença
A gente vinha de Aracaju. Eu estava cansado, mas
o jeito agradável da minha mulher me mantinha atento ao ir e vir da rodovia.
Nos aproximamos de uma cidade, cujo nome não me recordo. A primeira coisa que
avistamos após a lombada foi um aglomerado de barracas disformes. A frente
delas os afrodescendentes vendiam milho cozido e assado. Minha mulher me olhou
e disse:
— Me deu uma vontade de comer milho!
Eu estacionei o carro e logo fomos atendidos por uma senhora
simpática que nos chamou de “bença”. Essa era a maneira de ela se aproximar dos
clientes. Eu era uma bença e todos os que compravam a ela eram uma bença
também. Enquanto eu pensava nisso, minha mulher gracejava com a vendedora.
Graciosa que era, estava de olho na freguesia e, para não perder tempo, foi direta:
— Bença, faço três espigas por cinco reais.
Minha mulher não fez objeção. Aceitou a proposta dela. Quando
estávamos prestes para irmos embora, ela fez uma pausa e disse:
— Minha bença, voltando-se para a minha mulher. — Da próxima vez
eu vou dar uma espiga ou uma aguinha ao motorista.
Minha mulher não aguentou. Olhou para mim, riu gostosamente e lhe
disse:
— Mulé, não é preciso não. Ele não é motorista não. É meu marido,
rindo de mim.
Bença ficou descabreada, mas percebeu que eu não tinha me importado
com o que ela disse. Para mim agradar, desfazendo aquele mico, ela insistia em
me dar um agrado da próxima vez que parássemos na barraca dela, argumentando
que era costume fazer isso com todos os motoristas. Ela só me via como
motorista. Tentei compreendê-la. Imaginei que havia por trás disso uma
explicação. Aí, perguntei-lhe:
— Por que a senhora faz isso com todos os motoristas?
Ela me surpreendeu, respondendo:
— Sabe por quê? Porque os motoristas só assim vão parar na minha
barraca. É pra bater na concorrência. Eu dou milho e aguinha pra eles, tocando
no braço de milha mulher, completando: — Nenão Bença!
Aí, eu completei:
— Quer dizer que eu tenho a cara de motorista?
Ela olhou pra minha mulher. Minha mulher olhou pra mim e todos
riram.
Todas às vezes que a gente passa pela BR-101 e nos aproximamos de
quaisquer barracos, nos lembramos de Bença, do seu modo inteligente de ganhar a
vida.
Da última vez que estivemos por lá, não a vimos. Talvez estivesse
doente. Talvez tivesse ido para outros lugares expandir seu comércio, ido
embora ou até falecido.
Conto publicado no site do autor.
Ron Perlim é blogueiro da Aplacc
(Academia Penedense de Letras, Artes, Ciências e Cultura), escritor e
professor. Colabora com
a Revista Obvius. É
membro do Centro de Cultura de Propriá, em Sergipe, presidente do Centro de Cultura Colegiense (Ceculc, Alagoas). Autor dos seguintes livros: Às Margens do Rio Rei, Agonia
Urbana, Porto Real do Colégio – Sociedade e Cultura, Laura (Premio Alina Paim de Literatura Infanto-juvenil pelo estado de
Sergipe), A menina das queimadas, Viu o home?, Foi Só Um
Olhar, O povo das águas e Porto
Real do Colégio: História e Geografia. Saiba mais acessando o site
oficial do autor: https://www.ronperlim.com.br/
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